Do amor e das causas perdidas
Felicidade senti em muitos momentos. Como quando fui dela. E dela foi todo o meu mundo. Mundo com medo de ser mostrado. E seus olhos puros me consumiam como quem consome uma paisagem. Fui dela. Aí está a exatidão. O sentir dos sentidos. Pureza de entregas. Nobres sensações em noites frias.
Guardo o amor apesar de não tê-la agora. Ela levou o seu mundo para passear. Um pouco longe de mim, é verdade. E sofro por tudo me escapar ao entendimento. Mas esse sofrer também gera um novo amadurecimento. Sofrer pelo amor não consumado. Sofro. Mas não envolvo ninguém. Minha penitência é solitária.
Do amor retiro novas forças. Mesmo que não seja amor compartilhado. Mas guardo esse amor como forma de me ver humanizado – como ela sempre quis. Agora ela é o meu enigma. E todas as suas dúvidas, um dia, trouxeram-me uma certeza. Certeza de que a vida pulsa desconhecida por veias novas, dispostas a entregar-se sem receios, sem medos.
Com esse amor aprendo, como antes, lá atrás - bem atrás. No começo de tudo. Amor que nos mostra a nossa face mais verdadeira. Amor que nos arranca das entranhas como se estivéssemos perdidos como uma criança com medo da chuva.
O amor me deu a felicidade de existir. Existir plenamente. Mesmo na ausência do outro. Um amor grandioso, desses que não cabem no peito, e transborda, e transborda, até inundar.
E farto de sentimentos sublimes, compreendo que o amor perdura, como forma de nos dar clareza e calma, paciência e fé.
Guardo esse amor. Amor puro. Amor por um sorriso de fim de tarde. Amor com vontade de decifrar. Amor por delicadezas não exploradas. Amor de amor sincero.
Por amor me faço poeta. Poeta das causas perdidas. Das folhas caídas e colhidas com a ânsia de devolvê-las à árvore, embora sabendo que elas não voltam, que já estão perdidas. As mãos que as colhem, sabem da necessidade da volta, do querer mais que a própria vida, do querer além das compreensões palpáveis e aceitas.
Amo como quem ama um silêncio. Uma porta escancarada. Um vão na escada. Amo a lembrança do beijo, do corpo exaltado, dos seios cabendo nas mãos como conchas. Amo as repetições do amor e, ao mesmo tempo, esse sabor de ineditismo. Até quando? Não sei. E não interessa saber. Apenas morrer de amor até quando puder. Morte digna. Pulsação contínua. Morro, morro, morro. Até ser resgatado por mãos sábias, sequiosas de amor, mais sedentas do que ontem.
Desculpe, meu amor, mas continuo em mergulhos profundos, mesmo que, ao retornar à superfície, não te veja. Mas sei do que fomos capazes. E é essa saudade que agora me invade e sussurra a delicadeza do sentir. Sinto por você. Sinto por mim. Sinto por nós. Mas acredito que ainda vamos nos encontrar um dia qualquer, e eu fatalmente direi: “Olá, estranha”.