Escrever como Terapia
Sei o quanto é difícil sentar para escrever quando se acumulou muita coisa. Digo, no campo da existência. Já que aqui pretendo escrever como terapia, como sempre. É uma necessidade minha. É minha forma de gerar o entendimento da vida. É o meu duelo solitário. Minha comunicação com o mundo. Se escrevo, fico melhor, não mais o ser que perambula repleto de dúvidas, tal qual um existencialista que não cospe suas impressões.
Acho que essa sensação de dificuldade vem, quando a coisas não surgem claras na minha cabeça. Mas deve ser assim também quando se vai ao analista. Aí, começa-se a falar e as coisas vão se clarificando. Sim, clareza. Muitas vezes nos foge a clareza. E a literatura ajuda a termos essa clareza. E, para mim, é preciso escrever como quem reinventa a vida, o prazer de existir.
Conversas também são saudáveis. Encontro de dúvidas, percepções. Conversas que suavizam o espírito. Sei que muitos preferem viver pela metade. Comigo nunca foi assim. Gosto da intensidade das coisas, das entregas. Por isso, escolhi a arte, a escrita, como forma de me fazer entender, de entender um pouco do mundo.
Para muitos, pode parecer uma grande bobagem querer escrever para isso, para gerar o entendimento, já que eles podem estar por aí, vagando às cegas, sem reflexão. Podem parecer mais felizes. Mas, talvez, menos inteiros. Eu busco, por outro lado, essa inteireza, essa forma em que me sinto mais eu. Porque é doloroso quando não se consegue ser a gente mesmo. Por medo, por dúvida. Ser a gente mesmo deve ter uma importância cabal. É nossa impressão digital no mundo.
Por outro lado, é muito difícil se apostar sempre com o coração. Ou melhor, ser só coração. É preciso um equilíbrio. Mas devemos também aproveitar os momentos em que podemos ser só coração. Nas entregas, no amor. Coração batendo, pulsando despudoradamente.
Como disse, escolhi a arte, a escrita, como forma de me sentir vivo, de tentar ser eu, apesar de tudo. Tem uma frase de um filme que traduz muito a arte de representar: “Representar é morrer um pouco a cada noite”. E eu reflito sobre isso, dizendo que devemos mesmo morrer a cada noite, mas nossa morte pode, paradoxalmente, dar a vida para outras pessoas, ou, ao menos, a possibilidade de ver a vida de outra forma. Também isso acontece quando se escreve. Porque muitas vezes escrever é um ato doloroso, assim com nascer. Morre-se nas madrugadas, duelando com palavras. Morre-se em prol de algo maior. Mas depois, no dia seguinte, pode-se estar nascendo melhor. Acordando de algum pesadelo ou de alguma incerteza. Por isso, no final, acaba sendo prazer mesmo, porque se vence barreiras, aparentemente intransponíveis. Barreiras internas.
Escrever é se vasculhar por dentro. Interpretar também. É um jogo. E eu aceito esses jogos. Quero essas entregas, essas mortes porque necessito existir melhor depois. Faz parte do meu destino, da minha personalidade. E sei que não posso fugir disso. Isso é que me faz ser eu. E é tão bom quando isso acontece, quando sabemos que não há máscaras. Pelo menos no processo em que nos encontramos sós, diante da vontade de transcender.
Pronto. O momento mais cruel é quando se começa. Depois tudo vai ligeiro. Depois me vejo projetado no papel. E tiro minhas conclusões. Eu e eu mesmo. Agora é só ouvir uma canção e olhar a vida ao vivo – o que é bem melhor.