O Mestrado de Suzy da Silva Santos no MAE/USP
...Salve. A empreitada estudantil e acadêmica não é fácil. Os níveis superiores são estradas que para nós, negras e negros, família humilde, periféricos, poucos recursos, oriundos de escolas públicas sucateadas, moradores de bairros distantes e distanciados, descendentes de africanos e/ou de indígenas escravizados, excluídos, invisibilizados, trabalhadores explorados, sugados e cooptados nos engenhos do capital, são na maioria das vezes mais íngremes, longos, solitários. Os entraves - exteriores e interiores - são diversos. Vivemos numa corda bamba. Lidamos com abismos, monstros e demônios, circunstanciais e milenares. Inclusive com os nossos próprios e os dos próximos a nós. O sistema é tão engenhoso que nos torna inimigos de nós mesmos.
Se a candidatura for feminina onde o numero de vagas é exíguo, a procura e a concorrência são grandes; a disputa se revelará acirrada e, o último lugar da fila tende ainda a ser pouco. Neste contexto, a resistência e os mecanismos para desencorajamento sob o discurso e máscara da meritocracia e a aversão à política de cotas tornam-se explicitas e ferrenhas. Lembra trecho do poema Fênix, do saudoso mestre Paulo Colina: "Desde que os servos/vindos da noite/não ameacem o reinado/ senhor/ há uma grande união/desde que os servos/vindos da noite/não disputem seu pão/meu senhor/há uma grande união.”
Contudo e por tudo isto, nada nos é nem pode ser impossível. Estamos semeando o nosso 14 de maio, com espírito 20 de novembro. Talvez o preço a ser pago será um pouco mais alto, o esforço um tanto custoso, o retorno demorado. Igual às travessias que fazemos nos transportes públicos, dentre outras, no nosso dia a dia. A missão exige disposição, renúncias, preparo físico e mental, foco e metas para chegarmos ao pico do Monte Everest ou Serra da Barriga que almejamos. Apoio e parceria são essenciais nestes trajetos, nas horas e momentos difíceis. Quem não os tem, apóia-se na sua fé, e prossegue. O pódio é individual; a vitória é coletiva. Seja direta ou indiretamente.
Ainda guardo recordações da minha graduação em Comunicação Social pela FECAP, concluída em 2009, graças não somente ao meu empenho, mas também ao incentivo de amigos, colegas de classe e de trabalho, alguns familiares e parentes, e ser bolsista Prouni/Ações afirmativas ajudaram bastante. Durante quatro anos vi frente a frente, a cara feia da fera. Houve momentos de lágrimas, mas também de risos. Aprendi muito, continuo aprendendo em outros cursos que venho fazendo. Tomei gosto pelos estudos e não pretendo parar tão cedo. Por essas e outras tenho dito aos manos e as minas estudantes: Quero fotografar a sua formatura, mestrado, doutorado nem que seja com uma câmera ou celular simplório. É o meio de gratidão que tenho em mãos por tudo que fizeram por mim. É a passagem do bastão que me passaram para ser passado. É a forma singela que encontrei para dizer: No que depender de mim e estiver ao meu alcance, quero estar ao seu lado para ver você chegando lá e indo além.
Ontem, 01/09/2016, como um eco do poema Das Águas, de Cristiane Sobral: "A força das mulheres/Está na terra arrasada/Na planície devastada/Do sertão/Que se levanta/Em seu próprio pó", foi a vez da nossa irmã Suzy da Silva Santos, 32 anos, aprovada pela banca de mestres-doutores e na presença da mãe Maria Silva, amigos e colegas. Professora graduada em História, ela tornou-se mestra em Museologia, com a a tese “Ecomuseus e Museus Comunitários: Estudo das Possibilidades de Salvaguarda da Memória Popular” defendida no Museu de Antropologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP). Parabéns, Mestra! OUBIgrato pelo convite e pela oportunidade. É mais uma lição inspiradora nos cadernos da minha vida que se encaminha para os 62 em outubro próximo e aspira um mestrado em Antropologia Visual. A luta continua em todos os níveis para que juntos com outras e outros possamos dignificar os que não tiveram chances como estas; estimular os fraquejados; apontar rotas e traçar perspectivas aos desorientados; injetar alento em quem está na fila; fortalecer e registrar aquelas e aqueles que vive “Rompendo cadeias, forjando caminhos”. Assim diz um verso de 'Ofertório', canção de Milton Nascimento, em Missa dos Quilombos.
Mestra quilombela Susy, nos tempos do Movimento Black, entre 1970/1980 existiu uma equipe, a Soul Manitê. Segundo o filosofo e pesquisador Marcio Barbosa (Marcio Bantu) “manitê” significa: OUSADIA. Que os nossos ancestrais, deuses, santos, orixás guiem seus atos e passos. Ajudem você a engrossar o bloco dos atrevidos que estão incomodando e desacomodando mentalidades e conceitos eurocêntricos. Ouse você também a escurecer e ampliar lugares a que temos direito; que ainda nos são devidos; que se fazem necessários ocuparmos e nos fazermos presentes, e entrando pelas portas da frente. Seja pequeno o aeroporto de Guarulhos para decolagem dos seus sonhos e realizações. O tempo está te dando voz e passagens. Agora é contigo, mestra. Se cuide. Voe! Click, click, click...
Oubí Inaê Kibuko - Cidade Tiradentes para o mundo, 02/09/2017.