UM FADO EM LISBOA
Eram outros tempos, muito difícil de comparar com os dias correntes. 1972. Casados há pouco mais de ano, ainda residindo em dependências sitas nos fundos da casa de meus sogros, na Rua Chavantes, 636, Vila Assunção – hoje locada para o Restaurante Iaiá Bistrô – resolvi, com a minguada poupança amealhada no início dos trabalhos como advogado, fazer um giro com a mulher pela Europa, basicamente em Paris, onde permanecemos quase um mês, em apartamento que o amigo Gérard Bony emprestou. Inicialmente, como não poderia deixar de ser, passamos uma semana em Lisboa. Numa certa noite, decidimos ir a uma Casa de Fados para um show mais qualificado. Pegamos o Metro até o Rossio (Praça D. Pedro IV) e nos demos conta que, para chegar ao local previamente escolhido, teríamos de subir uma infindável e muito íngreme escadaria. Sabem, como é, apesar de muito arrumados, a gente era jovem, otimista e com muita disposição. Chegamos à ruela, lá no alto, quase mortos. Quando me dei conta da paisagem do local, me assustei: enormes e belos carrões estacionados nas cercanias. Mas, cansados, metemos as caras. Fomos recepcionados por uma dama finamente trajada, que já providenciou para que nossos casacões fossem recolhidos à chapelaria. Era cedo para o espetáculo e, além de nós, talvez houvesse outro casal. Não era local muito espaçoso. Ainda estávamos a pensar sobre a validade da empreitada, quando um solícito maître nos trouxe um cardápio, com três alternativas de pratos para o jantar. Já apavorado pelos preços, tive de pedir um aperitivo, inclusive para ganhar tempo. Pedi um cálice de vinho branco do Porto, que era a coisa mais barata disponível: a mulher achou mais prudente não pedir nada. Em suma, se encarássemos a noitada, teríamos praticamente de partir no outro dia de Lisboa. Discretamente conversávamos à procura de uma saída honrosa. Eu não queria ficar com o mico preto, mas seria uma imprudência assumir os valores da empreitada. Aí, rapidamente, combinamos que a mulher se “sentiria mal” e que precisaríamos partir. Dito e feito, veio o garçom, o maître, a dama, quiseram preparar um chá, mas conseguimos, depois de muita cena, dar o pira. Que alívio! Acabamos num boteco bem comum, rememorando os lances da aventura e morrendo de rir. A certa altura, olhei para o calcanhar e constatei que o desgaste da subida da escada tinha causado um enorme buraco na meia.