CONTA E TEMPO

Hoje, amanheci pensativo. Levantei-me ainda sonolento e pus-me a pensar na vida, antes mesmo de fazer minhas orações matinais. Sequer atentei para os ensinamentos de Jesus, que nos concita a confiar-Lhe as nossas preocupações, pois tudo Ele fará por nós. Basta ter fé. Infelizmente, somos faltos desta virtude que nos aproxima de Deus.

Desci da cama e sentei-me em minha cadeira reclinada, na qual dedico instantes de variadas leituras, inclusive da Bíblia, que poderia ser mais frequente e demoradamente lida, por ser minha norma de fé e prática. Naquela cadeira, também repouso as costas doloridas dos afazeres cotidianos e do desgaste natural provocado pelo caminhar implacável dos anos.

Para pessoas idosas, avançadas em dias, como diz o Salmista, com o tempo de vida contado e a caminho da extinção natural, as folhinhas do calendário passam velozmente. Os anos correm celeremente. Os males da velhice são menos dolorosos que as incertezas de não darmos conta dos nossos afazeres.

Nesta manhã, lembrei-me das obrigações a que estou submetido, pendentes de realização. Veio-me à lembrança um soneto guardado na memória ainda preservada do Mal de Alzheimer, intitulado Conta e Tempo, de autoria de Frei Antônio das Chagas (1631-1682). À medida que o recitava, silenciosamente, dava-me conta do que poderia ter realizado no passado e não o fiz.

Eis o poema que me inspirou a escrever este texto e até me fez usurpar-lhe o título. Vejamos, pois:

"Deus pede, hoje, estrita conta do meu tempo.

E eu vou, do meu tempo dar-Lhe conta.

Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,

Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?"

"Para ter minha conta feita a tempo,

Tempo me foi dado e não fiz conta.

Não quis, tendo tempo, fazer conta.

Hoje, quero fazer conta e não há tempo".

"Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,

Não gasteis vosso tempo em passatempo.

Cuidai, enquanto é tempo em vossa conta".

"Pois aqueles que sem conta gastam tempo,

Quando o tempo chegar de prestar conta,

Chorarão, como eu, o não ter tempo".

Ao recitar este soneto, encontrei ótima oportunidade para refletir sobre os meus dias passados e futuros. Quanto tempo de vida gastei com futilidades, com coisas de somenos importância, com irresponsabilidades na juventude? Quanto tempo me concederá o futuro? Estou velho e alquebrado, ciente de que Deus, se breve não sei, me pedirá conta do meu tempo, recolhendo-me à Glória.

Hoje, esforço-me para cumprir extensa programação em meus dias de incertezas, sabedor de que não darei conta a tempo. Acordo cedo, olhos fixos nas horas inelutáveis; requeiro a Deus perdão para as minhas faltas diuturnas; leio jornais; pratico exercícios físicos, destinados a manter a forma; sento-me à mesa do computador a fim de atualizar meus escassos conhecimentos; escrevo um texto qualquer; leio livros que reclamam de minha displicente atenção; visito médicos que cuidam de minha frágil saúde; atendo as obrigações domésticas e a administração da casa; efetuo compras e uma miríade de pagamentos, cada vez mais onerosos; vou à igreja pedir a Deus que acrescente mais tempo ao meu viver, pois, como darei em tempo tanta conta?

Falta-me tempo para o muito a ser feito. Se não houvera, no passado, desperdiçado sem conta tanto tempo, talvez, hoje, estivesse em condições de atender a Deus, com estrita observância, Suas divinas recomendações.

Ah, se meus entes queridos ouvissem a voz dos Céus, para não chorarem, como eu, quando lhes chegar a hora de prestarem conta do tempo que gastaram sem conta.