liberdade 6
Sabe naquela hora e até agora...
Não, mas naquele dia, naquela caminhada, caminhava com tantos presságios, cansado e estressado, que resolvi dar uma parada, dar um tempo, como se dá um tempo dês estressando...
Ir ao Sebo onde vende os livros usados e mais baratos com a possiblidade de ir à prateleira e fuçar em cada um, ao alcance das mãos, e poder ler as indicações nas contracapas, e assim esperar a leveza do tempo passar.
Fui procurando por algum autor ou mesmo um prefácio. Talvez comprar um livro?
Ou comprar coisa nenhuma, mas não tem como não comprar uma boa leitura.
O tempo passou será que o metrô já teria alguma vaga para eu entrar sem ser empurrado para dentro sem precisar dar passos? Resolvi ficar mais um pouco antes de continuar a caminhar.
Pequei o livro abri e fui lendo o prefácio, lendo e me interessando, resolvi compra-lo.
Continuei no meu caminhar e mais adiante sem estar atrasado, cheguei à estação SÉ do metrô, uma multidão para entrar nos vagões. Todos corriam do tempo, ansiosos por andarem sempre atrasados e atrasando por estarem contra o tempo. Assustados; todos estavam estáticos e a sós, querendo ocupar algum espaço, mesmo que sendo fatídico, para chegar a lugar algum. Amassaram uma orquídea das mãos de uma senhora que a abraçara em desespero e cuidados, perdidos no curto espaço até para respirar o pouco ar ventilado, na quentura dos corpos suados, cansados da mais-valia sugadora de cada mão de obra do trabalhador.
Trabalha, trabalha, sem tempo para pensar que a exploração não dá redenção nem vida eterna.
No trabalho sem prazer e sem sorriso!
Marx já havia, estudado, publicado, profetizado essa ladainha e poucos sabem entendê-la, compreendê-la.
O metrô lotado, a cara do povo amarrada, amordaçada, e de esbarrão em esbarrão cada um chega a algum lugar mesmo com o trânsito caótico, o chegar atrasado será sempre o possível. Em cada vagão superlotado não se pode nem respirar fundo, peidar então... É um crime contra os pulmões alheios.
E algum sujeito indeterminado, sem nenhum predicativo verbal, nominal ou animal havia dês purificado o ar aumentando o fedor, não bastava os braços levantados... sem que se pudesse nem abaixar as mãos para não encostar em nenhum corpo menos avisado!
Ninguém consegue esconder a dor o amargor de suas fisionomias o cansaço é a revolta camuflada de cada passageiro, massacrados no corre-corre no ganhar o pão e do pouco caso do transporte público sem falar nas roubalheiras que nunca se investigam os desvios de dinheiro público.
Encontrei anelos de não ser e de estar naquele espaço fétido de razão. Público?
Quando alguém empurra outro alguém com brutalidade no metrô, ocorre um derramamento de adrenalina na sua corrente sanguínea, a pressão sobe para dar mais força aos músculos, as batidas cardíacas se aceleram.
A violência entorna raízes na impotência.
O estresse está sempre a um fio da violência.
E nos tempos modernos é o que mais se vive e sente, é a revolta e a indignação.
Estamos todos a um passo de explodir numa violência generalizada, porque as pessoas não podem guardar estas raivas em formas de ansiedade a vida toda, ou podem?
É um dom ou estigma esperamos para absorver o acontecimento em nossa consciência e depois decidir qual será a melhor resposta. Isso nos dá a cultura, mas também nos dá a neurose.
Há povo mais neurótico do que os que vivem nos grandes centros urbanos?
Agora, já em casa, resolvi que deveria iniciar a leitura, daquele livro comprado no sebo da Avenida Liberdade.
Tempo favorável, pois estava ligeiramente calmo, liguei o som nestas músicas sem letra, em que se misturam o violino, violão, piano e sax. Á medida que fui lendo e me envolvendo no enredo, a leitura foi tomando conta de mim, num comprometimento tão intimo que a agitação acabou por derrotar a calma.
A leitura da boa literatura é uma coisa boa, muito boa.
É algo profundo, edifica e fortalece o coração do leitor é um ensinamento edificante.
A pessoa que escrevera o livro estava falando comigo, estava me contando algo que não sabia.
Fechei o livro e fiquei esperando um momento breve para continuar aquelas confidências.
Quando terminei a leitura, guardei o livro.
Alguém queria ler, emprestei; não me devolvera. Fiquei chateado porque aquele livro tornou-se um amigo e me fez entender um pouquinho mais, as minhas misérias e as minhas grandezas.
Cada livro que lemos, aprendemos coisas novas, e daí, vai se abrindo diante do leitor um mundo de coisas que antes, ignorava e desconhecia.
No outro dia, estava indo para o trabalho, quando fui atacado inesperadamente por um bando de pensamentos, que alertavam que o dia além de intenso seria muito desgastante.
E que nem só de trabalho vive o homem, pensava. Pensava?
Nesta relação de trabalho da mais-valia, a exploração para ser completa necessita tudo calado, conformado e pouca informação fidedigna e muita programação ideológica.
Não deixar pensar no real, viver da fantasia, sem educação, sem participação cultural, sob a aura da lógica capitalista, ou seja, mãos de obra disponível para o controle do mercado e dos salários.