VIAGEM À COLÔMBIA VI
Acordamos mais tarde, no dia 7 de janeiro. E não era para menos. O sono reprimido na noite anterior nos fez esquecer os compromissos turísticos previamente programados.
Depois do desayuno, voltamos à parte velha da cidade. As ruas estreitas, os prédios antigos, mas conservados, as carruagens puxadas a cavalo, os bons restaurantes e as variadas opções de passeio e de visitas, faziam-nos costumeiros frequentadores daquele espaço histórico e acolhedor.
Na loja Cubavera, adquiri três camisas do modelo Guayabera, seguido de outras amigas que também efetuaram algumas compras. Embora satisfeito com a aquisição, fiquei receoso de, ao retornar ao Brasil, ser censurado pelos amigos, vendo-me com aquela indumentária tipicamente usada por comunistas do porte dos finados Fidel Castro e Hugo Chavez, e dos mortos-vivos Maduro e Lula. Meus amigos poderiam desconfiar de que eu teria “virado a casaca”, expressão idiomática de uso comum no Nordeste brasileiro. Mas, asseguro-lhes que não!
Algumas horas depois, deixamos as muralhas entregues a seus moradores e aos turistas menos esfomeados, e fomos almoçar no Restaurante da Socorro, ambiente muito frequentado, a despeito de sua comida não oferecer nada de excepcional.
Dois dos nossos amigos chegaram àquele restaurante minutos depois, para juntar-se ao grupo. Eles retornavam de mais um concerto musical a que assistiram entusiasmados. Nas mãos cheias de CDs sobre músicas gravadas do festival em andamento e em eventos anteriores, faltava a um deles o seu telefone celular, esquecido no interior do táxi que o trouxera ali.
Deixamos o Restaurante da Socorro e fomos buscar espaço na Praça San Pedro Claver, local da realização de um concerto musical à noite. O acesso era franco, mas dependia de o expectador portar convite distribuído gratuita e antecipadamente. Os que não dispunham desse regalo, como nós, teriam de ficar nas cercanias, a céu aberto, sujeito às dificuldades próprias dos grandes aglomerados humanos.
Na esperança de assistirmos ao concerto, mesmo que precariamente, ocupamos mesas de certo barzinho, próximo ao local. Todavia, ali só nos seria permitido ficar se nos comprometêssemos consumir produtos à venda, obedecida outra exigência, qual seja, a de desocuparmos o ambiente depois de uma hora sem efetuarmos novo pedido.
Uma situação precária. O concerto seria iniciado às 22 horas e ainda eram quinze. O que fazer, não sabíamos. Trocávamos as mais variadas ideias, até que conseguimos, por vias tortuosas, comprar ingressos de cambistas, que os vendiam, mesmo tendo-os conseguido gratuitamente.
O tempo passava lentamente. Foram sete horas de angustiante espera. As dores musculares e o desconforto físico e fisiológico eram intensos. Restou-nos aguardar o início do espetáculo em fila quilométrica e arduamente disputada, pois as cadeiras não eram numeradas. Enfim, adentramos o recinto e assistimos, cansados, ao concerto em que a figura exponencial do espetáculo foi o pianista Jean-Efflam, um francês de elevado conceito no âmbito musical e artístico. Ao término da boa apresentação, deixamos o local e fomos saciar a fome com pizzas, em lugar próximo.
Era o fim de um dia exaustivo em todos os aspectos: físico e temporal. Por nenhuma hipótese, desejo reviver momentos como aqueles. Não valeram a pena! Bem fizeram duas de nossas amigas que assistiram ao concerto do conforto de seu apartamento, no Hotel Caribe.
No dia 10 de janeiro, fizemos breve city tour, oportunidade em que conhecemos novos pontos da velha cidade e de sua parte moderna e arrojada. O passeio nos levou a conhecer o Convento La Popa e a igreja da Candelária, situados no alto de um monte de cento e quarenta e oito metros acima do nível do mar. Dali, avistamos o porto e as vias terrestres da localidade, objeto de inúmeras fotografias tiradas para compor o nosso álbum de recordação.
A construção da igreja deveu-se à visão que tivera o padre Alonso de La Cruz. Estando ele absorto em suas orações, ouviu uma voz ordenando-o que fosse a Cartagena e, lá, em cima de um monte denominado La Popa de la Galera, edificasse um monastério dedicado à Santíssima Cruz. Em 1612, estava concluída a construção do convento.
Peço vênia ao autor do livreto La Popa, Carlos E. Cardona, para contar-lhes uma história meio tenebrosa, confirmada pelo frade espanhol Sebastián de Portillo y Aguilar.
Disse o religioso que antes dos procedimentos de construção do convento e da igreja descobriu-se uma caverna onde se venerava o demônio. Nessa cova, havia cadeiras e outros assentos destinados ao conforto dos fieis satânicos que, às noites dos sábados, realizavam cultos a Busiraco, como eles chamavam o diabo, representado em forma de cabra. Essa informação foi ratificada por Luis Andrea, réu julgado pela Inquisição, em 2 de fevereiro de 1614.
Ao final da visita a La Popa, estivemos no Castelo de San Felipe de Barajas, fortaleza que garantia o domínio do lugar contra ataques piratas. Seu nome adveio de homenagem ao rei Felipe IV e aos ancestrais do governador, os condes de Barajas.
A construção do castelo de San Felipe foi iniciada em 1656, por ordem do governador Pedro Zapata. A primeira etapa da edificação ficou concluída em 1657. San Felipe é um bem patrimonial tombado pela UNESCO, em 1984.
O castelo, com suas fortificações defensivas, por certo amenizou a fúria guerreira dos invasores. Desses, destacam-se os franceses, que atacaram Cartagena em 20 de abril de 1697, comandados por Jean-Bernard Desjeans, e pelos ingleses, em março de 1741, liderados por Edward Vernon, agressão esta reprimida pelo vice-rei Sebastián de Es-lava. Andamos por todas as dependências do antigo San Felipe, constatando a importância que o acometeu em tempos remotos.
No dia 11 de janeiro de 2017, visitamos o Museu da Inquisição, lugar onde, em 1610, foi estabelecido o Tribunal da Inquisição, destinado a manter a fé católica na América espanhola. Para tanto, o preço cobrado foi alto.
Em Cartagena, foram julgados mais de 700 casos de bruxarias e faltas cometidas contra a fé e a religião católica. No local onde funcionou o Museu da Inquisição foram efetuadas as mais cruéis torturas aos praticantes de atos julgados demoníacos.
Naquele local funcionou o Tribunal do Santo Ofício. Vimos representações gráficas e instrumentos utilizados na confissão forçada dos réus submetidos à sanha dos inquisidores, membros do tribunal eclesiástico instituído pela Igreja Católica.
O Tribunal do Santo Ofício pertencia à jurisdição do Novo Reino de Granada, Venezuela, Nicarágua, Panamá, Santo Domingo e ilhas Barlovento, constituídas pela Martinica, Santa Lúcia, Barbados, Guadalupe e Dominica.
No dia 11 de novembro de 1811, os arquivos do Santo Ofício foram simbolicamente destruídos e os inquisidores expulsos de Cartagena. Todavia, o temível tribunal foi restaurado, em 1815, com a vinda das tropas espanholas comandadas pelo general Pablo Morillo, permanecendo até 1821.
Acompanhados do guia que nos prestou informações no Museu da Inquisição, fomos a uma joalheira próxima a fim de satisfazer o desejo das mulheres do grupo de, pelo menos, contemplar os variados modelos de peças incrustadas de esmeraldas. Uma delas, como sempre, não deixou passar em branco a oportunidade de adquirir mais uma joia para compor a sua já abarrotada coleção de preciosidades.
Saímos dali para um café próximo. Provamos do famoso produto colombiano, tido como o melhor do mundo, mas, não para Luiz (ouso divulgar-lhe apenas o antropônimo), nosso companheiro de viagem, cafeicultor brasiliense em vias de conquistar o mercado interno brasileiro com seu produto, o ouro negro, e de provar o contrário do que se diz favoravelmente a respeito da iguaria colombiana. Seu café até já tem nome: Café Don Luiz.
À noite desse mesmo dia, 11 de janeiro, jantamos no restaurante El Burlador de Sevilla, onde, durante a refeição, apreciamos o desempenho de uma dançarina em trajes típicos da Espanha.
Deixamos aquele recinto para nos juntar ao restante do grupo que assistia, em outro estabelecimento das proximidades, as apresentações de um conjunto de origem cubana.
O divertimento empolgou tanto os nossos amigos, a ponto de dois deles demonstrarem suas aptidões de dançarina e de instrumentista. Ele tocou em parceria com o conjunto e ela, boa no gingado, requebrou os quadris com maestria, aplaudida pela galera.
Aqui, faço nova pausa nesta dissertação. Comprometo-me com o leitor de trazer-lhe ao conhecimento muito mais do que já foi tratado neste modesto espaço literário. Hasta Luego!