A dor e o prazer seriam dois títeres em conúbio?


O que é uma sociedade com sistema de valores diante dos nossos desejos de dor e de prazer? Hoje li uma crônica de Stanislaw Balner, onde há uma abordagem crítica e comparativa entre os livros de Aldous Huxley e George Orwell, ambos muito revisitados hoje por quem tem a vontade de conhecer o mundo em nosso tempo. Segundo Balner o livro mais profético teria sido o de Aldous Huxley, visto ter vislumbrado uma sociedade totalitária onde os seres humanos são dominados pelo prazer, enquanto a profecia de Orwell previa-a dominada pela dor, a partir da revelação involuntária do medo individual (fobia em relação a ratos, por exemplo, ou aracnofobia) quando o sujeito era submetido ao medo maior para ser dominado e não fazer mais nada contra o pânico e o terror. Talvez tenha faltado a Balner, em sua pureza mediúnica, observar a importância que o mundo hoje confere à dor como forma de prazer. Porque não adianta apenas psicografar os homens da intelectualidade pregressa para interpretar o eterno presente. Um brasileiro e uma estrangeira, hoje, são, sem dúvida, os dois paradigmas de pessoas vinculadoras da dor ao prazer e do prazer à dor; são eles: Glauco Mattoso, poeta cegado por glaucoma, cujo pseudônimo expõe sua cegueira e Madona, a cantora pop afeita a jovens, ex-mulher de Sean Penn.
Glauco Mattoso é mais conhecido por ser recordista mundial em produção de sonetos. Homossexual sadomasoquista, Glauco tem sua sanidade atestada até mesmo por um psicanalista. No caso dele seria válido, na opinião do psicanalista, em outras opiniões seria um caso perdido como Jean Genet – anagrama de gente – como percebido em um poema de Arnaldo Antunes. Obviamente, um caso de disfunção sexual (ejaculação precoce, e.g.) só merece ser tratado se incomoda o paciente, e o mesmo se dá com a frigidez. Isto é, em questões de sexualidade o médico e/ou psicólogo só podem interferir se houver demanda por parte do paciente. Jean Genet, após Jean Paul Sartre ter escrito o livro Saint Genet, não conseguiu escrever mais nada. A peça teatral mais popular no Brasil escrita por Genet foi As criadas. Mas por que Genet não conseguiu escrever mais nada após Sartre ter feito sua hagiografia anterior à morte? Por que isso matou Genet como agente intelectual de um segmento subterrâneo habituado a práticas sexuais subversivas?
Práticas às quais Michel Foucault fez a danação da norma, e, em certa medida quis retirar da subversão. A saber, que Glauco Mattoso escreveu, na condição sado, escreveu um livro sob o título Tortura, no qual tenta estabelecer limites entre o que seria tortura e o que seria dor infringida por outro, porém consentida pelo agente passivo como expressão da dor como prazer e êxtase. Porém, no feminismo de segmento chamado de feminismo queer da qual Madona é o maior ícone, tais feministas, inimigas das feministas radicais, defendem as práticas sexuais subversivas como legítimas, sem pensar que quando Sartre, por exemplo, quis legitimar Genet o que fez, na verdade foi aniquilá-lo. Não se nega aqui que a conceituação pelo psiquiatra alemão Richard Von Krafft-Ebing, que a partir das leituras das obras do Marquês de Sade e do escritor eslavo Leopold Von Sacher-Masoch, do que é sadismo e do que é masoquismo tenham contribuído muito para os estudos das perversões sexuais. Não se nega aqui o que disse Simone de Beauvoir, debruçada sobre a obra dos dois escritores, quando revelou ter sido para ela, para nós também, o alvorecer de um conhecimento trágico. Embora Salvador Dali, em uma lista que construiu sobre o que era a favor ou contra, ou bom ou mau, tenha colocado o sadismo e a Igreja do mesmo lado, quer dizer, do lado das coisas sobre o que era a favor! Porque se Sade tem em sua obra o poder da transgressão a Igreja tem o poder de oferecer um limite a tudo isso, tendo sido o seu querigma (núcleo dos conhecimentos centrais da doutrina cristã) importante para a humanidade. Embora em muitos momentos a Igreja tenha sido sádica ou perversa, não só ao tempo das inquisições.
Se a compulsão sexual é um vício degradante devido ao efeito de produzir sobre quem vitima a falta de autoridade sobre si mesmo, como fazem as drogas quando o indivíduo tenta, mas é incapaz de largar o vício. O que dizer sobre um indivíduo que acredita ter poder e controle sobre suas práticas sexuais subversivas? Seriam monstros? Se os panicados, deprimidos e deserotizados são o oposto desses monstros? Sucumbidos ao medo e à fobia social como sintoma. Qual psicografia discursiva de Nelson Rodrigues faria Stanislaw Balner hoje? Seria essa a evolução discursiva de Nelson Rodrigues desde a famosa frase Toda mulher gosta de apanhar: para após dizer Em uma mulher só se bate quando ela pede, ou ainda, mais atual, Em uma mulher não se bate nem quando ela pede. Sim, diz-nos Balner. Bate mais, dizia em seus poemas Glauco Mattoso ao torturador da ditadura, pisa que eu gosto! Ironicamente, fazia assim a tortura não ser eficaz... Será? De vez em quando em sessões de sadomasoquismo morre uma pessoa. Mario Vargas Llosa escreveu que devemos o conhecimento trágico aos geniais escritores Sade e Sacher-Masoch, a mão suspensa no ar antes de infringir a dor causa tanto suspense que Gilles Deleuze, em seu ensaio sobre o livro A Vênus das peles de Sacher-Masoch, levado ao cinema por Roman Polanski, afirmou com propriedade que tal cena é largamente usada no cinema. Quem gosta de estar dormindo com o inimigo? Sim, devemos esse conhecimento trágico aos geniais escritores, cabe a nós, segundo Vargas Llosa, reconhecer esses monstros dentro de nós e mantê-los ajoelhados. Genuflexão essa, preferencialmente, não realizada com grãos de milho sob os joelhos.
Quanto ao uso do sadismo e do masoquismo como métodos impingidos de controle social das mentes parece-nos claro que é exercido. O amor em sua plena expressão, inclusive o amor compassivo, tema que nos interessa e abordaremos em outra crônica, pode ainda ser um contraponto a tudo isso?
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 15/02/2017
Código do texto: T5913316
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.