POR UM TRIZ
Durante 10 anos da minha vida eu trabalhei na Companhia de Aços Especiais Itabira. Essa empresa é única na América do Sul fabricando aços especiais, aços inoxidáveis entre outros. Eu era técnico metalúrgico e trabalhava na aciaria dessa empresa. Devido ser o local onde ocorre o início do processo da fabricação do aço, é uma área muito estressante e de muito calor. Os aços são fabricados numa temperatura de aproximadamente 1.700 graus. Eu costumo dizer que assim como na casa tem uma cozinha onde são preparados deliciosas comidas, na companhia tem a aciaria onde todos os ingredientes são colocados para a fabricação desse metal tão precioso.
O sonho de todo aciarista é desejar que quando ele estiver iniciando o seu turno, que o seu turno esteja tranquilo, sem defeitos, sem paralizações, para que ele possa produzir normalmente, pois afinal de contas, a empresa ganha por produção, e se não produzirmos fica impossível o bom crescimento da empresa.
Lembro como se fosse hoje, era o dia 27 de novembro de 1997, um sábado, onde eu estava indo em direção a empresa para iniciar mais um dia de trabalho. Ao chegar na portaria já fui abordado por um colega de trabalho que me deu a triste notícia que um aço silício GNO estava fora de faixa em carbono. Aquela notícia era tudo que eu jamais desejaria para iniciar um turno.
Eu tenho o hábito quando as coisas começam a dificultar, na minha mente eu fico batendo papo com Deus. E no percurso até chegar no local de serviço, eu já comecei a brigar com Deus, e fui falando: Poxa meu Deus, eu venho todo ansioso querendo produzir, ter uma boa produção, e olha o que o Senhor me arruma, uma corrida fora de faixa em carbono, ninguém merece isso. Diante dessa notícia eu já sabia que o meu dia de trabalho seria complicado e com certeza a produção seria baixíssima.
Orei pedi a Deus que me direcionasse e recebi o turno e comecei a difícil tarefa para diluir o carbono que estava fora de faixa. Quando o processo está normal o processo de produção seria LD-VOD-FP, mas como o forno que eu trabalhava tinha que diluir a corrida eu entrei em contato com o LD e pedi para que eles soprassem as corridas de GNO com temperaturas mais altas, para que não fossem passar no forno-panela, uma vez que o mesmo estava congestionado com a corrida fora de faixa. Vocês mais na frente vão observar que essa decisão que tomei nesse exato momento foi de fundamental importância para que eu tivesse minha vida preservada.
Geralmente quando o turno está tranquilo eu vou no LD e fico observando o vazamento do aço para providenciar ponte para que transporte o aço do LD para o meu forno. Como isso não seria possível devido o tumulto da corrida fora de faixa, eu subi no LD e estava avisando o mestre do LD que não seria possível vazar as corridas para o Forno-panela devido todo aquele tumulto. Nesse momento que eu estava avisando o mestre eu estava diante do forno que estava prestes a fazer o vazamento do aço, acabei de avisá-lo e desci para o meu forno. Para minha incrível surpresa no local onde eu tinha acabado de estar, houve uma explosão que acabou ceifando a vida de três amigos meu no trabalho. O mestre de aciaria do LD, era meu vizinho de bairro, naquela época eu ainda não tinha carro, e quase sempre quando encontrávamos eu pegava carona com ele. Devido esse fato de morarmos no mesmo bairro e das caronas, acabei fazendo amizade com ele, e pra mim foi muito triste ao saber que cinco minutos antes eu estava na frente daquele forno conversando com meu amigo e que agora ele já não estava entre nós, o nome desse amigo era Magno.
Lá no nosso trabalho, tinha uma figura lendária, engraçada, cômica. Se existia um sujeito boa praça, de bem com todo mundo, simplório, sorridente, não tinha uma vez sequer que a gente não olhava para o Gino que ele não estivesse sorrindo, e sem falar que só da gente olhar pra ele já dava vontade de sorrir. Sempre que dava uma folga no LD, lá estava o Gino lá embaixo contando as suas histórias, e morríamos de rir com as palhaçadas do Gino.
Foi muito duro pra mim saber que o Magno, Gino e Nilton já não estava mais entre nós. Na hora do acidente eu estava dentro da cabine, e só vi o momento que passou uma labareda de fogo lambendo a área e um barulho, na mesma hora subi desesperado pra ver o que tinha acontecido com os meus amigos, para minha triste lembrança me deparei com o corpo do Gino caído entre umas padiolas de Magnesita. Foi triste ver o Gino daquele jeito carbonizado. Não sei se é do conhecimento de todos, mas quando o corpo leva uma temperatura tão alta de 1700 graus ele carboniza e com isso ocorre um encolhimento no tamanho da pessoa. Vendo aquele corpo ali, a impressão que ficou que na hora da explosão ele levantou a mão para proteger sua cara do calor, e ali estava ele no chão carbonizado, parecendo um boneco com a mão a sua frente protegendo o seu rosto todo carbonizado.
Eu sou uma pessoa muito emotiva, me apego fácil as pessoas, sou daquela pessoa que curte minhas amizades, e naquele exato momento quando deparei com o Gino ali estirado no meio daquela Magnesita, eu não me contive e um brado saiu do meu peito e disparei a chorar, eu chorei tanto, tanto, tanto que a chefia disse que eu estava descontrolado emocionalmente e mandou-me pra casa.
Saber que a partir daquele momento eu não iria mais pegar as caronas com o Magno e saber que nunca mais a figura cômica do Gino iria adentrar-se pelas portas do forno-panela seria algo muito difícil de aceitar.
Diante de tudo isso que aconteceu, eu me pus diante de Deus e pedi perdão por ter inicialmente reclamado da corrida fora de faixa em carbono, por que foi justamente devido ao fato daquela corrida ter saído fora de faixa em carbono, foi que eu não pude receber as corridas do LD, caso isso não tivesse acontecido eu poderia estar lá em cima esperando a corrida terminar de vazar pra chamar a ponte pra pegar e transportar para o forno-panela.
Com isso eu aprendo que mesmo diante das dificuldades, não devemos nos desesperar e muito menos ficarmos revoltados com Deus, por que de repente pode ser a situação que Deus esteja permitindo para que sua vida seja poupada de algo. E com certeza naquele dia 27 de novembro de 1997 minha vida foi poupada por um triz.