Vale da Benção
Inicialmente quando cheguei naquele local, uma onda de desânimo tomou conta do meu ser. Que lugar estranho, parecia até que eu estava descendo para o desfiladeiro da morte. Me lembro como se fosse hoje era o dia 7 de março de 2003. Foi justamente nesse dia que começava minha jornada no local que futuramente eu iria denominar Vale de Benção.
Eu havia aposentado há pouco tempo, como forma de manter-se ocupado eu tomei a decisão de fazer o curso de Teologia dentro do seminário. Minha ideia era viver dentro de uma comunidade, ao mesmo tempo que estudava, poderia ir conhecendo novos lugares e fazendo novas amizades. Então eu e a minha esposa tomamos a decisão de alugar a casa que morávamos e partimos em busca de novas aventuras.
O seminário teológico chamava Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, antigo Jovens da Verdade e estava situado na cidade de Arujá, região metropolitana da capital do estado de São Paulo.
No início foi muito difícil a nossa adaptação naquele lugar e para piorar mais ainda a situação, a esposa teve uma alergia, ficando alguns dias no hospital, mas graças ao nosso bom Deus logo em seguida ela foi restabelecendo e sem falar que tudo ali naquele local era diferente. Tínhamos uma vida com total liberdade e sem submissão e de repente passamos a morar num local onde era cheio de normas e teríamos que submeter as autoridades daquele seminário.
Com o tempo fomos observando que aquele bicho não era assim de sete cabeças, a resistência ao lugar foi diminuindo e passamos a ter novos olhares para aquele vale.
Eu era um dos poucos alunos que tinha um carro naquele seminário e devido ao fato de ser casado, coube a nós morarmos num chalé logo na entrada do seminário. Inicialmente era um pouco estranho, os bichos sempre nos visitando: aranhas, ratos, baratas, mas aos poucos tudo foi solucionando, os bichos desapareceram e passei a ver minha moradia com outros olhos. Passei a ver o chalé de forma aconchegante. O quarto ficava na parte superior e cônica e pra termos acesso ao quarto, tínhamos que subir uma escada e era preciso um pouco de cuidado para não escorregar e se machucar. Passei a ver aquele chalé com um olhar mais romântico. Gostava de ficar lendo na sala, observando as pessoas que subiam e desciam do seminário. Quando chovia o ambiente ficava bem nostálgico e demonstrava um certo romantismo no vale, e eu adorava ficar na janela observando a chuva que caia em meio as árvores e as vegetações que ali existiam e ao mesmo tempo observava os pássaros com suas entoadas.
Sempre nos fins de semana comprávamos pizzas, convidávamos os alunos que geralmente andavam desprovidos de dinheiro para que se ajuntassem a nós com a missão de darmos fim aquelas guloseimas. Era muito divertido, os meninos começavam a contar piadas e a gente ficava ali horas e mais horas rindo das palhaçadas que eles dispunham em contar.
No segundo ano de seminário fui incubido de organizar o café da turma. Como era gostoso levantar 5 horas da manhã, naquela calmaria, quase sempre eu encontrava neblina no vale e me direcionava para a cantina com a finalidade de fazer e organizar o café, ficar ali naquele silêncio, naquela paz, ouvindo os pássaros era algo único muito prazeroso. Ver a turma chegando sorridente e alimentando e sabendo que eu realizei parte dessa alegria era muito gratificante.
Na parte da tarde, duas vezes por semana cabia a mim também a limpeza da piscina. A piscina ficava na parte mais baixa do vale, e ali passava a tarde limpando a piscina. Era interessante fazer esse serviço, eu acaba me distraindo, enquanto ia realizando a limpeza, aproveitava para refletir e ir pensando na minha vida uma vez que ali não tinha ninguém que pudesse interromper meus pensamentos. Como já falei anteriormente Arujá fica situado ao lado da cidade de Guarulhos, onde tem o aeroporto internacional de Guarulhos. Enquanto eu ia fazendo o trabalho na piscina eu ficava observando os aviões que desciam e subiam. E ali eu ficava olhando os aviões e ao mesmo tempo fazia a pergunta: Quando é que eu vou andar num bichão desses. E como as vezes a vida nos prega algumas peças, eu fui andar de avião pela primeira vez justamente ali em Arujá, naquele mesmo ano quando fiquei sabendo do falecimento do meu irmão mais novo Maurício. Que triste maneira de estrear uma viagem de avião.
Foi lá no seminário que fui designado pra fazer ministério na cidade de Ferraz de Vasconcelos e logo em seguida São Sebastião e Arujá, momentos estes que já mencionei no texto “A Selva de Pedra”, que foram imprescindíveis para o meu crescimento como ser-humano.
Algo quando eu estava de bobeira sem nada pra fazer, eu gostava de ficar jogando pães para as carpas comerem no lago. Aquilo era pra mim uma verdadeira terapia.
Nunca participei de peladas de futebol que fossem tão competitivas como as que tínhamos no seminário, naqueles momentos pareciam que os rapazes transferiam o coração para a ponta da chuteira.
O administrador do seminário, que no momento devido falha na minha memória esqueci o nome, era uma pessoa muito humilde e ao mesmo tempo muito prestativo, que Deus possa sempre abençoar aquela vida.
Os ministérios de evangelização que fazíamos todas quartas-feiras a tarde nas escolas eram fascinantes. Enquanto não chegávamos nos locais, os alunos iam cantando e zuando o pessoal.
Sempre que eu tinha um tempo eu ia visitar a nossa cantineira, a nossa saudosa tia Dê, ela me adotara como filho ali naquele local. Que Deus a tenha em ótimo lugar com ele.
Tive alguns contra tempos com a diretora ao ponto dela querer despachar-nos de volta para nossas casas, mas tudo foi resolvido, afinal de contas os atritos fazem parte para o crescimento da nossa maturidade.
Uma coisa digo, com certeza, todos esses momentos que presenciei ali naquele Vale ficarão marcados eternamente na minha consciência.
Enfim diante de tantos momentos inesquecíveis que aqui foram mencionados, passei a encarar aquele local como o lugar que Deus preparou para lapidarem as nossas vidas e por isso olho para aquele lugar e digo que ali era um vale de benção.
Com isso quero dizer a todos vocês que estiverem lendo esse texto que se de repente o local onde vocês estejam estiver meio assustador, tenebroso, não se desesperem, de repente vocês podem estar no vale da benção.