MULHER COM POESIA PARECE QUE VICIA

As paixões nasciam cedo nos corações dos meninos. O nigth club detinha uma influência muito forte naqueles anos 70. O carretel deslumbrava de uma forma que as tênues purezas masculinas eram soterradas pela sofreguidão, provocando-nos uma prodigalidade, de certa forma, aceita pela sociedade, não obstante a figura dos comissários de menores.

Chegávamos ao curso ginasial por volta dos 12 anos e ali a pressão para a primeira noite de um homem era muito forte. Em Itabaiana não havia bullying aparente, até porque todo mundo conhecia todo mundo, mas a inexperiência com as paixões era imperdoável.

Havia na Rua das Flores uma moça que recebia rapazes novos, fora da zelosa visão dos famigerados comissários. Viera não se sabe de onde e se dera àquela prática de treinning como uma missão cultural. Na primeira noite em que a conheci, os meus ouvidos foram recebidos com um poema:

"Mas lucro também tiro desse ofício:

Curvando sobre ti amor tamanho,

Mal que me faço me traz benefício,

Pois o que ganhas duas vezes ganho.

Assim é o meu amor e a ti o reporto:

Por ti todas as culpas eu suporto."

E na despedida:

"São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas

Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol."

Os moços não estão muito preocupados com literatura, mas essa fusão de mulher com poesia parece que vicia.

Só muito tempo depois descobri que o primeiro poema era uma fração do "Soneto LXXXVIII", de Shakespeare, e o de despedida uma espécie de sextilha do poema "A duas flores", de Castro Alves.

Não me perguntem quem foi essa mulher, pois não sei. Há todo um mistério sobre ela. Dizem os mais afoitos que seria a filha de um sujeito intelectual, cuja origem ninguém sabe, que chegou em Itatuba e ali fundou escolas. A propósito, em Itatuba, ouvi alguém dizer que esse professor seria um nazista fugindo da implacável busca do Mossad, mas aí penso eu que é dar asas à imaginação.