Jesus, se não é você, quem foi Cristo?

“Quem acredita nas verdades de minha fala? A humanidade? Perfeito; agradeço! Se verdades são acreditáveis, deve-se acreditar também nas mentiras. Oposto do pronunciado pelos homens, minhas agradáveis mentiras podem conter duras, consagradas e incontestáveis verdades”.

O nome do leitor é Jesus? Se sim, ou quem souber, por favor, esclareça-me quem foi Cristo, porque após mais de meio milênio de anos de sangue circulando pelo interior de minhas veias, ainda não consegui saber quem foi esse cidadão que dizem que foi psicólogo de pobres e mendigos, miraculoso terapeuta dos entrevados, de ideias humanas avançadas e ideais filosóficos propagados mund`afora; todavia, quase nada exercitados. Ou, se exercitam os seus ensinamentos plenamente, deve ser na calada da noite. Acima de tudo, no silencioso negrume da madrugada, nada se ouve, nada se transforma, não se ouve as gotas de orvalho caindo no chão, bem como não se vê os pontos brancos dos olhos.

Na língua portuguesa existem muitas palavras que, veladamente, tacitamente, oferecem ao leitor múltiplos entendimentos, variadas interpretações e sob o vacilo do certo e o errado, do bom e o ruim, variadas reflexões. E para quem não é léxico ou gramático, o “se” é uma delas. Portanto, querer saber quem foi esse “Figurão” do título, demanda o uso deste subterfúgio linguístico; afinal, desprezível é o Profeta cuja liberdade, autonomia e independência dependem da disponibilidade de um, ou estão sob o jugo dos homens, que não passam de bestas humanas, tanto quanto o falso revelador.

Se ele existiu e foi um homem como dizem, não deve ter sido nada fácil para um simples ser de alpercatas nos pés, com um pêndulo de barba oscilando no peito, com um chumaço de cabelos esvoaçados na cabeça, um andarilho cascudo que carregava no ombro um embornal despedaçado lotado de pães velhos e humilde lavador de pés, conviver com toda sorte de gente. Pois, contrário aos seus lúcidos preceitos, a algazarra, o zunzunzum dos fortes é infinitamente superior ao silêncio dos fracos. Os tempos não estão pra isto, mas lançando um pouco de poesia aos novos enlaces matrimoniais e as saudáveis amizades modernas, conhecem-se ao entardecer.

Palavras regadas às fantasias cotidianas. Afinadas ou não, concretizadas ao néctar do mel à luz do luar. O amanhã será como ontem: mero desconhecido do hoje. No entanto, para não dizer que não falaram dos espinhos, sobraram pelo menos uma retorcida colher de metal e um esfarrapado lençol sujo.

Dando um voto de confiança e pedindo perdão pela minha infeliz, estúpida e miserável descrença, se realmente existiu e sendo o que foi, teria ele lavado os pés de seus discípulos, como uma profusão de falantes em seu nome, juram, apregoam de pés juntos? Sobre essa infâmia, porque se analisarmos pelo contexto humano em todos os tempos, lavar os pés é feito raro, (aliás, tendo-os como objetos de luxo, pagam fortunas para tê-los limpos, descamado, livres de asperezas, impecáveis) reza a crença que no exercício da humildade, desprendimento de valores próprios, afeto, amor ao seu irmão, pregação em nome do Pai e ofício, após muita andança sob sol a pico, com os aquecidos miolos pulando fora do crânio, pararam debaixo de um benevolente sombreiro para espichar os músculos das pernas e reequilibrar as energias.

Como sempre, os apóstolos tagarelavam, regozijavam sobre as proezas, façanhas e conquistas feitas naquele dia. Ousado, um deles disse: “E você Cristo, o que tens a dizer, o que fizestes hoje, nada?” Sem dizer uma letra, Cristo ouviu o insulto. Todavia, em dado momento, presenciando o alarido que já durava certo tempo, o miraculoso homem de barbas longas pediu um segundo de silêncio e assim feito, também pediu que eles sentassem enfileirados. Embascado, um dos homens balbuciou: “O que será que esse filhote, estagiário de mendigo vai aprontar agora”? E não houve um só ser pensante na Terra que rejeitou uma sonora e espalhafatosa gargalhada.

Cristo sumiu atrás do tronco; ao retornar, apareceu com uma enorme bacia com água morna, pediu mais um segundo de silêncio e num ato contínuo, daqueles que ameniza as piores dores, cuidadosamente, banhou os pés dos presentes. Admirados e incontinenti, todos fizeram profundo silêncio e reverenciaram o ato simples e humilde que caracterizou para sempre, Cristo como um bom líder servidor.

Claro que para os discípulos, apenas. E depois daquela vivência, todas as vezes que indagavam quem era Cristo, aparecia um Jesus dizendo que se perguntarem quem era ele sou, retrucava com uma simplista reflexão: sou um anjo, que fala de amor, que fala do vento e se esquece do tempo. Se alguém perguntar onde vivo, diga que vivo no coração daqueles que conhecem o amor. Se alguém perguntar onde estou, diga que estou, em cada palavra, cada lágrima e também no sorriso. Se alguém perguntar se eu amo, diga que sou a pessoa mais apaixonada do mundo. Mas por favor, só se perguntarem, se souberem quem eu sou e o que represento para a humanidade. Não, não sou nada afeito ao marketing publicitário; sobretudo, para mim, mídia e selfies são iguarias fermentadas, nocivas e indigestas, fazendo com quê eu perca minha natural originalidade; meu autêntico sabor.

Porém, antes de minha partida, digo que se o devoto declarar sua religião, sua ideologia política, poderio econômico e social, suas palavras serão verdades. Palavras inteiras que representam um centésimo de verdade, obrigatoriamente, devem ser apagadas e esquecidas imediatamente; se não, o inverso, o contaminante posto na água, líquido salutar à vida, se espalhará rapidamente e o mais relevante: de pouco a pouco, em dosagens homeopáticas, a deteriorização humana imperará para sempre. Rapidamente, o câncer se espalhará!

Reconhecidamente, em meio ao ninho de víboras peçonhentas, tal qual a arisca e inocente iena desgarrada, persigo a matilha de leões famintos.

Existe uma meia dúzia de homens humildes que passa(ra)m a vida inteira na tentativa de facilitar a harmonia do Cosmos, cito Ghandi, que num ataque de bom senso, disse que quem quiser conhecer a fundo quem anda ao seu lado, sem pedir licença, lave o seu banheiro. Em contrapartida, seguramente, existe o resto da humanidade para complicar. Uma das maldições dos Profetas ressalta que o dualismo constante, irreversível e quanto mais tecnologia criam, proporcionalmente, é a distância entre os povos. Prova cabal de um dos países pioneiros neste investimento de separatismo entre os povos é o Japão, que está isolado praticamente em sua ilha peninsular. Mas não queiram pensar nisto: usufruam!

O detalhe é que ainda não criaram caixão rolante, demandando portanto, no mínimo quatro homens para empurrar os gênios para o buraco, para em seguida os amigos próximos chegar terra no olho do sortudo.

Alguém se habilita a lavar o banheiro da casa (se possível com as paredes do vaso empretecidas de mierda) e os pés cascudos dos vizinhos? Pense e não duvide que não se chega ao Pai, àquele que leva ao conhecimento da mão direita as oferendas dadas pela esquerda e vice-versa, àquele que não exercita verdadeiramente as palavras de Jesus Cristo; que a princípio possuem o amargo do fel; mas destiladas pelo tempo, transformar-se-ao em favos de mel.

Sacou agora, sou eu Jesus Cristo, o filho do Pai soberano e jamais nos separamos um do outro; pois somos uma só carne e em nossas veias, fluem um purificado e só sangue! Entretanto, devo ser eu um grande e irresponsável mentiroso, pois, pouco ou nada do que falei é seguido à risca; e consequentemente, interpretado sob a luz da razão, posto sobre os pratos justos da retidão pela humanidade.

© obvious: http://obviousmag.org/ministerio_das_letras/2016/10/-o-nome-do-leitor.html#ixzz4NSwpxzRL

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Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 18/10/2016
Reeditado em 18/10/2016
Código do texto: T5795554
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