A culpa é da Dilma
O que será que tanto esperam esses cachorros nos terminais de ônibus da periferia? Será que eles aguardam a permissão para uma viajem até o centro da cidade, onde, com toda certeza, os pedaços de salgados oleosos que as pessoas jogam para eles, serão mais abundantes? “A terra prometida. Eldorado canina”. Tá bom, eu viajei, eu sei. Mas, a questão é, será que eles iriam gostar de ouvir as conversas das pessoas dentro do buzão? Talvez eles não saibam que 99,9 por cento dessas conversas são de pessoas falando mal de outras pessoas. Será que eles suportariam ficar por horas presos no trânsito ouvindo essas pessoas? Fora quando chove e alaga tudo...
Pausa para enviar uma mensagem no celular:
Cara colega Dilma, se puder nos mande um barco, um bote, uma canoa que seja, mas de preferência a motor, pois estamos todos exaustos. Choveu e alagou tudo por aqui caro amiga. Ninguém vai ninguém vem. Ninguém passa. O córrego transbordou. Fodeu-se tudo.
E se, mesmo navegando, estiver difícil pra passar, peço que nos socorra então pelo o alto, via aérea. Solte para todos nós aqui do ônibus, morrendo de fome e cansados do trabalho, alguns suprimentos alimentícios. Talvez algumas barrinhas de cereal pra enganar o estômago quem sabe... Nos comprometemos a não jogar a embalagem pela janela dessa vez. Lixo na rua entope bueiro né. Causa enchente né. Pois é...
Por enquanto obrigado e estamos no aguarde.
Mensagem enviada.
Voltando... Eu reparei. Mas, será que eles reparariam que hoje ela apareceu toda maquilada com uns brincões enormes pendurados nas orelhas. Ela, a cobradora do segundo ônibus que eu pego na volta do trabalho (isso quando não está alagado nalgum canto por ai). Uma jovem mulher de uns trinta e poucos anos, meio feinha, magrinha e tímida, que me causou certo estranhamento ao vê-la toda pintada daquele jeito, confesso. Logo veio à mente a pergunta do porque ela havia se empiriquitado toda para aquele dia. Exatamente aquele dia. Um pretendente no ônibus? Conselho de alguém que a conhecia? Algo como, “você deveria se ajeitar mais Maria” (Na verdade eu nem sei se ela se chama Maria, mas tem cara de Maria, então para mim passou a ser Maria). Ou então,” Maria, você tem que esquecer esse cara, tirar ele da cabeça, partir pra outro mulher”.
Acho que foi isso. Porque outro dia eu ouvi ela conversando com uma colega dentro do ônibus, dizendo que havia esquecido fulano, que não queria mais saber dele, que não ligava mais pra ele e tal...
Outra pausa, agora para o narrador Godardiano:
Obvio que quando diz que não liga, que não tá nem ai, é porque liga sim, é porque tá ai sim. Pois quem realmente não se importa, não fica se justificando, apenas ignorar e pronto. E também não é um ignorar no sentido de “vou lhe ignorar”, e sim no sentido espontâneo de nem se quer pensar no assunto. É por essas e outras que Maria devia estar se remoendo por dentro. Tentando tirar de seus pensamentos o carinha e não conseguia de jeito nenhum. As mentiras que contava a si mesma, não convencia.
Maria conversando com a amiga como eu disse a pouco:
- O Felipe é um cachorro amiga. Pior do que esses vira-latas do terminal. Tomara que esse filho da puta tenha colesterol alto por conta desses salgados que ele come o dia inteiro e morra de derrame ou de um ataque cardíaco. o desgraçado.