Cidade grande e cidade pequena

Morar em cidade grande é sonho de gente pequena. Morar em cidade pequena é sonho de gente grande. Cidade grande nada mais é que uma grande babel de desilusões. Quem mora em cidade pequena sempre arranja um jeito de ir para a cidade grande e uma vez lá dificilmente encontra o mesmo jeito de retornar para a cidade pequena.

A riqueza da cidade grande não passa de tormento e utopia. A riqueza da cidade pequena é sua gente e a liberdade. Tudo é longe na cidade grande, por isso é urgente a compra de um carro e tendo um carro não tem onde estacionar. Se encontrar um estacionamento público ou privado não faz diferença, porque ambos são pagos. São tantos os compromissos que um dia de trinta e seis horas, caso existisse, só daria para resolver metade das broncas. Cidade grande tem de tudo e não tem nada. Tem um hospital em cada bairro, mas os hospitais não têm leitos, se são grandes os sofrimentos até ao hospital, maiores serão uma vez lá. Tem um parque ecológico donde todos se afastam por medo dos assaltos. As que têm praias ou são poluídas ou têm arrastões de bandidos. Na cidade grande todos são desconhecidos, é como se fossemos estrangeiros dentro de nosso próprio país. Solidariedade é um troço tão raro o quanto é raro o ar puro para respirar. O deslocamento do trabalho para casa é mais sofrido que de casa pra o trabalho, porque o trabalhador teve um dia exaustivo, está no limite de sua paciência, pensando já no retorno do dia seguinte sem sequer ter certeza alguma de que chegará bem em casa. Tudo foi pensado para funcionar ao contrário. Com ruas asfaltadas, tem quebra molas; se tem semáforos ninguém obedece; tem faixa de pedestre os automóveis param sobre essas; tem vagas para cadeirantes que são ocupadas por doentes mentais que dirigem carros. Na cidade grande tudo só funciona na base da multa ou da propina. Nos ônibus que fazem o transporte coletivo nas cidades grandes têm cinto de segurança apenas para os motoristas, quem está em pé usa um tal de “seca sovaco.”

Na cidade grande tudo é maravilhosamente lindo aos olhos e extremamente perverso ao bolso. Tudo na cidade grande é comprado até areia, pedras e bosta de cavalo; que absurdo! Tem na cidade grande fábrica de tudo, de tudo o quê não lhe interessa ou do que lhe é fútil, mas duvido que tenha fábricas de compadres, de amigos ou de vizinhos. Na cidade grande os rios são transformados em esgotos a céu aberto, não tem pássaros, não existe paz, nem silêncio. Nas cidades pequenas têm riachos, cachoeiras, rios, lagoas, açudes, cachorros, sabiás, bem-te-vis, papagaios... Quando chove, mesmo com trovoadas e raios a meninada corre pra rua, debaixo de um frio danado para tomar banho. Chuva na cidade grande é sinônimo de alagamento, engarrafamento, desordem, chateações, prejuízos incalculáveis. Na cidade pequena ninguém precisa de fiador para comprar um quilo de farinha na bodega da esquina. Ninguém sabe o que é Serasa, SPC, BNT, IOF, Celic, dólar, euros, câmbio flutuante...

Na cidade pequena, não apenas conhecemos as pessoas pelo nome, mas ainda sabemos onde moram e de quem são pais ou filhos, porque lá não existem estrangeiros. Ainda temos o péssimo costume de assentados às portas à noitinha, falarmos da vida alheia e das nossas também. Meninos ainda jogam peladas no meio da rua, as bolas ainda caem nos quintais e isso dá uma confusão dos diabos... Tá pensando que é fácil? Cidade pequena tem sombras e não tem asilo de velhos. Tem gente fofoqueira, meninos que levam bilhetes de namorados, tem vendedores de cocadas, pirulitos, picolés. Cidade pequena as mocinhas andam aos bandos e os meninos de calções no meio das ruas e ninguém está nem aí, porque na cidade pequena as pessoas são de paz. Nós, ao contrário do que dizem, não falamos errado. Temos nosso dialeto, nosso sotaque caboclo, nosso língua caipira, nossa identidade e quem achar ruim que se dane, que “nois numtamo nem aí!”

Certa vez, fui a um restaurante chick na cidade grande, pra quê...! Quase tive que empenhar um dos rins para pagar a conta! Tudo isso no meio de uma barulheira dos infernos, quando a música parava de repente, estavam todos gritando para se entenderem. Um povo mal educado e metido a besta. Pessoas vazias de tudo e cheias de nada! Dava para ler escrito na testa: Vulgar por opção.

Cidade pequena tem seus encantos e não são poucos. Há uma trilha no morro, pescaria no riacho, futebol de Solteiros x Casados, bate papo na esquina e o mais importante: Amigos de infância. Amizades de mais de meio século, colegas dos tempos do ginásio ou do curso primário. Ainda atem uma trilha onde ora por outra ainda nos encontramos com a primeira namorada, na cidade pequena você tem abraço. Que coisa mais linda e maravilhosa é um abraço!... Certamente foi por isso que o Poeta disse:

- "Eu vou é simbora pra Parságada... Oxente!

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 09/04/2016
Reeditado em 10/01/2021
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