Efeitos Reversos do Internetês

Dia desses recebi uma mensagem via inbox de um amigo, que me deixou intrigado, e confesso que quase aflito. Dizia a mensagem::
“prc fl c vc ug m lg asm q pd o + trd at amh estr m cs abr.”
A profusão de consoantes desconexas pareceu-me, naquele instante, uma mensagem preocupante.
Fiquei confuso, e minhas tentativas de decodificar a mensagem foram em vão.
Como já era tarde quando fui ter com a missiva, deixei-a de lado, planejando indagar o emissor no outro dia.

No dia seguinte, acordei e procedi a todas as habituais tarefas matinais (todas), antes de tentar me contatar ao meu enigmático interlocutor.
Contato estabelecido, indaguei que mensagem era aquela com tantas consoantes e tão poucas vogais.
Percebi que ele teve dificuldades em se lembrar do 'código' que utilizara, o que não me surpreendeu, pois sempre foi, digamos assim, meio conectado demais na net e bem pouco conectado a si mesmo. Não vivia aqui. Somente se hospedava por aqui. Vivia nos planetas.
Me pediu que aguardasse novo contato.

Cinco minutos, nova mensagem:
“Como você não entendeu? É linguagem da net, cara. Tá 'escrito' ai:
Preciso falar com você urgente. Me liga assim que puder. O mais tardar até amanhã. Estarei em casa. Abraço.”
Observei, agora sim com surpresa, que ele sabia se expressar dentro dos padrões gramaticais da língua, inclusive com pontuação irretocável.

Numa outra ocasião, mostrei essa mensagem a um outro amigo (um internauta tão contumaz que galgou em dois dias o status de inveterado), só pra satisfazer minha curiosidade, saber se ele elucidaria a sopa de letrinhas. E ele a elucidou!
E ainda me teceu uma série de comentários, pondo-se a falar de alguns movimentos e correntes virtuais, explicando minuciosamente cada uma das siglas:
T.D.C.E.V.A. - teoria da  degenaração cognitiva por
exagero na veiculação de abreviaturas,
S.A.A.P.E.M - síndrome da autopiedade por autodiminuição permamente por extrapolação da minimização,
E.E.KK.YY.DWW.I.U.C - estudo da 
exorbitância na kánização, ypsilonização e dabliunização no internetês ultra contemporâneo; nessa última, explanando radiante que "a repetição das letras k, y e w, sustentam a noção de exagero de suas respectivas aplicações, matéria do estudo que a sigla representa", e que "a letra d junto ao duplo w, é só porque não tem como escrever o nome da letra w iniciando-o com a letra w, só com a letra d".
Segundo ele, era uma prova de que os internautas optam por abreviar, mas sabem português.

E seguiu com mais algumas siglas, acompanhadas de suas significações, conceitos, noções de realtividade, resumos de conteúdo, até que minha atenção, finalmente apoquentada, recusou a condição de espectadora.
Desse ponto em diante ele passou a ser só uma voz em 'blablablês'. Desnecessário dizer que também não entendi bulhufas dessa interlocução.

Porém, o episódio deflagrou em minha mente a lembrança de que, por diversas vezes, fui criticado pela minha maneira de escrever, pois gosto de me expressar de forma correta, muito embora em tempos de “Pátria Educadora”, nem sempre consigo me fazer claro; tenho mais conseguido me fazer achincalhado.

Já fui, por isso, tachado como arrogante, metido, “aparecido”, maneirista, evasivo, pernóstico, e até mesmo – pasme! – retardado e disléxico.
Também fui chamado de fóssil, mas optei por tomar como elogio, afinal, não é qualquer vivente que pode se vangloriar da façanha de atingir a fossilização aos 54 anos.

Naturalmente que, dado meu espírito meditativo, preferi-me entregue a divagações acerca das consequências que o internetês pode suscitar, principalmente aliado aos desastrosos caminhos que vem tomando a rede educacional.

Em determinado momento, surpreendi-me a pensar que eu devesse talvez revir essa questão; quem sabe ao foca-la com olhos mais tolerantes, modernizaria e redefiniria um pouco as linhas da minha comunicação grafológica?... e constatei logo, estar, na verdade, é receoso de ser confundido com um purista, ou um dinossauro linguista, coisa que talvez eu seja mesmo (vai saber, né?).

Descartei logo a possibilidade. Causaria a mim desgaste de energia e alguma perda de tempo, afinal, deve ser extremamente difícil assimilar essa intrincada barafunda de letras desarrumadas.
Eu só consigo vê-las de duas formas: Quando soltas, sem correlação, e quando unidas, sem coerência.
Isso sem falar na brutal dificuldade de aceitá-las como forma reduzida de vocábulos.
Escolhi escrever da maneira que aprendi e à qual já estou mais que habituado.

E foi por isso que decidi evidenciar minha imperícia com o internetês, mas também para aproveitar-me do ensejo e enviar uma mensagem aos vigilantes da língua, meus mordazes algozes linguísticos:
Se você me entendeu arrogante, presunçoso (que vem a ser sinônimo de metido; presunsoço me é mais agradável, obviamente), “aparecido” (ainda entre aspas, por tratar-se de palavra usada, nesse contexto, em linguagem coloquial), maneirista, evasivo, pernóstico, retardado, disléxico, ou os que sejam ou os valham, informo que acaso venha a interessar-se por um texto de minha autoria, terá que ter paciência para aturar meu dinossaurismo linguístico, pois o que tento é aplicar em meus textos o que aprendi na escola, restando de minha parte meu pedido de desculpas, e um longo e pausado suspiro, cuja representação gráfica, tenho certeza, você entenderá de pronto, pois trata-se de forma onomatopaica bem conhecida e utilizada entre os adeptos do internetês:
_Affffff...


Alzx©
Aleki Zalex
Enviado por Aleki Zalex em 03/04/2016
Reeditado em 20/04/2016
Código do texto: T5593335
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