DESAPEGO E CONFIDÊNCIAS

Alguns me perguntam se não sinto falta da advocacia, da Faculdade de Direito ou do Banco, onde efetivamente trabalhei por 25 anos, sendo o restante do tempo computado em função de duas sucessões trabalhistas, num total de 36 anos. São perguntas que me inquietam sobre minha natureza e jeito de ser. Tenho certo constrangimento em responder, pois jamais tive qualquer apego a empregos, atividades, locais de trabalho, de residência ou de lugares em geral, por melhores e mais satisfatórios que tenham sido. Valorizo muito, mas não me apego. Eventualmente me sinto como mutante, alienígena, em face do mundo supostamente real. Nos meus cinquenta anos de trabalho, estive em muitos locais e empresas, seria fastidioso citar. Quando deixo uma atividade, digamos, é vida nova, só sinto evidentemente falta de pessoas, mas nada que uma visita, um telefonema, uma reunião de bar não mitigue. Não sou frio e nem desalmado, mas só me afeiçoo a pessoas e bichos. É claro que lamento quando perco certos confortos e situações favoráveis, como qualquer cristão, mas nada que não passe em poucos dias. Aos que não compreendem bem, devo lembrar que, aos dez anos de idade, deixei a casa dos pais, que moravam no interior do Estado, e vim morar com os avós, para estudar em Porto Alegre. Aos vinte anos, fui para a Europa, em época em que pouquíssimos viajavam, com a probabilidade de lá ficar, tanto que nem passagem de volta eu tinha. Depois, mais taludo, casado e com filhos adolescentes, separei-me e tive de deixar o calor do ninho para viver num apartamento de solteiro: só não sinto falta dele, talvez, por que ainda seja meu e esteja locado, assim como locada está a residência da família, hoje ponto comercial. A minha meação na casa de Xangri-lá, que comprei em 1984, doei aos filhos. Vivo otimamente onde estou, mas se tiver de me mudar para Angola ou para a Namíbia, tudo bem. Neste contexto, não dá pra levar muito a sério perguntas sobre eventuais saudades do Banrisul, da Faculdade, da Financeira, da Metroplan, da Cia. União de Seguros, do velho Badesul, do meu escritório ou do antigo Banco Crefisul de Investimento: são albergues ou estações de uma longa caminhada, já encerrada. O que importa mesmo é o cultivo das boas recordações, dos amigos, dos sonhos e aspirações de cada época. Além naturalmente dos filhos e netos, companheira e parentes, digo que me apego aos meus bichinhos, três cachorrinhos Poodle, e aos meu rituais de bem viver, pois além de sofrer do “mal” do desapego, tenho alguma coisa de transtorno compulsivo-obsessivo. No mais, sou quase normal.