QUEM DE MIM

Terminado o prazo de minha atuação como representante de um pequeno grupo de profissionais de setor público, estamos às vésperas de nova eleição. Tudo está muito calmo, porque se trata de um cargo que ninguém quer. Sentindo-me responsável por não deixar que o grupo caia nas mãos de um possível interventor que que nada saiba de nossa função, não conheça as tripas da filosofia de trabalho que nos pauta, sou candidato à continuidade - ou continuísmo.

O cargo que ninguém quer, porque agasalha muitos aborrecimentos de ordem burocrática e funcional tendo como paga uma ninharia acrescida ao salário, que também é ninharia, ficará novamente comigo. Isto é: se eu tiver mais votos do que o tal de "branco", opositor simbólico impresso na cédula. "O Demétrio ou o branco?" Se o "branco" vencer, significará que que terei perdido para mim mesmo e que ninguém quer o cargo nem minha permanência nesse do qual ninguém pode afirmar: "Que cargão, hein?"

A verdade é que se mais alguém quisesse o cargo que ninguém quer, fosse quem fosse, teria todas as chances de pegá-lo; contraí-lo; ser acometido por ele. Sou calhau numa história sem heroísmo nem vilania, que alcança os extremos de um "mais ou menos" incômodo à dignidade meio vencida pela ninharia extra, que acaba fazendo alguma diferença para minhas necessidades básicas. "Olhaí" o mais ou menos; o pelo menos que os opositores a menos venceram faz tempo. Também "olhaí" o argumento à moda "por não deixar que o grupo caia nas mãos de um possível interventor" caindo por terra.

No fundo, e do fundo de minh´alma, o que mais fere a dignidade de quem disputa um cargo não disputado, porque ninguém quer, não é nadinha do que foi exposto. Estou vivendo aquela grande angústia de quem namora consigo mesmo e ainda assim tem dúvida sobre se realmente se ama. Finalmente, estou chegando ao extremo de ter medo de me trair e acabar me expulsando de minha vida.

Exagero e paranóia de escritor. Paranóia própria de quem (neste caso de fato) é obrigado a fazer uma autoanálise bem a calhar para os que disputam consigo os cargos que ninguém quer, tendo que responder a uma pergunta ingrata: Quem de mim é pior? Eu ou eu?

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 07/07/2007
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