Fotografia da solidão
De logo já se via o jardim, provido de flores murchas, um banco de balanço branco, já um pouco desgastado, deixando-se embalar pela brisa matinal. Um caminho de pedras cravejadas que seguia desde a calçada até a entrada. Uma escada de poucos degraus dava acesso ao alpendre muito bem desenhado, com detalhes outonais encravados nas pilastras. Logo adiante, a porta – de comprimento e largura avantajados, composta de uma parte em vidro e outra de madeira de lei.
Por dentro, a figura residencial colonial rústica, as paredes cobertas de uma cor já sem muita definição, que deixava transparecer a longevidade embarcada pelo tempo. Era uma casa, mas não uma casa qualquer. Ali tanto se viveu, como também tanto se morreu. Foram longos verões, infindáveis invernos e muitas resenhas a definhar.
Uns poucos retratos figuravam sobre um móvel de madeira – o único que ainda havia ali, já aos cacos. Em cada imagem, numa força de expressão espantosa, as figuras humanas, em seus humildes trajes surrados por tantas secas, transpareciam suas marcas de expressão lapidadas pela amargura. O acervo de uma época em que vidas retratavam a vida em branco e preto. Resistindo à poeira, às numerosas teias de aranha e ao brusco efeito das horas, eram como os componentes vivos que ali viviam, intactos e eternos.
Os quartos escondiam os gritos abafados de misericórdia, num zumbido inconstante, entre soluços e palavras alternadas que desembocavam no corredor e se perdiam na escassez de ar que ali circulava. No chão, os resquícios de lágrimas derramadas eram representados pelas marcas escuras de mofo. E nos cantos, a presença fiel dos tocos de vela, com as pontas dos rastilhos inteiramente carbonizadas.
A luminosidade rara ali enfocada era explicada pela ausência de janelas. Havia apenas uma, disposta num pequeno ambiente, formatando a retangular entrada do vento brando e seco. Numa respiração ofegante, o ar e a luz disputavam espaços apertados para adentrarem o esquálido recinto.
Tudo estava por se manter inerte, entregue aos caprichos do estado atmosférico, estaticamente exposto aos desígnios naturais. Um pedaço de chão, entre paredes e sobre um teto abarroado, marcado pelo destino dos seus antepassados habitantes. Um vazio cheio de conteúdo, contendo a marca registrada daqueles que viveram sem ter vivido, num espaço cerceado de flores ávidas por florescerem, fez o cenário cruelmente perfeito à fotografia da solidão.