De cães e padres
Foi lá na Paraíba, terra de mulher-macho, sim senhor. Em uma zona rural de Alagoa Nova, um brejo perdido no sertão. Certamente um lugar tão afastado que padre não visita muito. O pobre do povo fica privado dos sacramentos. Daí que a Universidade Federal da Paraíba organizou um casamento e batizado coletivo.
Durante a cerimônia do Batismo uma pequena cadela não saía de perto do Padre Assis. Um padre com nome de santo e justamente de um santo que era irmão de todos os animais. A cadela deve ter reconhecido o fato, os cães têm um instinto especial que os faz distinguir o indistinguível. O padre falava e a cadela ouvia, imóvel, com toda a atenção, com muita emoção.
Se o padre parava, se era algum outro que falava ou agia, a cadelinha se deitava. Não interessava o que os outros faziam. Era do padre que a cadela queria saber. Erguia as orelhas finas, que descaíam facilmente sobre a sua cara de cadela. Erguia o focinho, farejava o ar, os olhinhos vivos fixos no padre. Como se fosse um santo ou, pelo menos, alguém da família.
Foi assim que a cadela cativou o padre. “Tu és responsável por aquilo que cativas”, diz o velho adágio chamado Pequeno Príncipe. O padre reconheceu o carinho do bichinho. Ficou até feio para o povo que estava ali, sendo casado e batizado. Disse que, de todos os presentes, a cadela foi quem mais simpatizou com ele.
Só faltou levá-la para casa. Ela não o cativou? Nós não somos responsáveis por quem nos cativa? Em todo caso, merece ser registrado este pequeno caso de amor à primeira vista e sem nenhuma mordida – outro adágio de algum Velho Barão diz que todo caso de amor acaba em mordida.
Esse caso me lembra outro que presenciei em Termas de Ibirá, SP. O Padre João celebrava a missa e um cão assistia. Agora era um padre com nome de quem batiza: foi São João Batista quem começou a batizar na nossa tradição católica. O Padre João celebrava a missa e lá, aos pés do altar, um cãozinho doente se aninhava. Atento à celebração da Eucaristia, a esse milagre que se renova todos os dias no mundo todo.
O padre reclamou dos fiéis não serem tão fiéis, preferirem ir a um churrasco, ao baile ou a outras festas, e relegarem para qualquer hora e qualquer dia a maior das festas: o mistério de Deus se fazendo carne e sangue no altar. O padre falava dos fiéis tão infiéis e olhava para o cãozinho. Estava se compadecendo do animalzinho, que se mostrava mais filho de Deus do que muitos outros animais ditos racionais. Mas que estava doente, nem tinha forças para se levantar dali do pé do altar.
O padre reclamava da infidelidade do seu rebanho, e pedia, pedia insistentemente que alguma boa alma levasse o cãozinho para casa. Terminou a celebração ajoelhado diante do animalzinho doente, examinando-o, cuidando dele. E finalmente alguém o levou.
Até os cães procuram a Deus (e são atendidos).