UM SONHO IMPOSSÍVEL

Era o ano de 1967. Cursava o segundo semestre da Faculdade de Direito da UFRS. Não estava cômodo, queria ver de perto o centro do mundo e, talvez, realmente encontrar-me. Eu tinha vinte anos e a maioridade, na época, só se alcançava aos 21, exceto a penal. Por obra e graça de antiga aspiração libertária e carregada de sonhos, resolvi partir para a Europa. Os pais foram contrários à ideia: havia a Faculdade, os riscos e, principalmente, a falta de recursos para uma família de cinco filhos. Insisti, argumentei que estava disposto a tudo. Convenci a duras penas que meu pai me emancipasse. Foi um passo importante. Deixei tudo pronto no cartório e ele só teve de comparecer para assinar. Escrevi para os avós paternos, conversei com os maternos, expus as vantagens de uma ação desbravadora e mais audaciosa. Mas a grana de que dispunham não era suficiente e as desconfianças sempre grandes. Então, vendi minha máquina de datilografia REMINGTON e o meu gravador de fita em rolo GELOSO e juntei com uns trocados do meu trabalho de auxiliar administrativo pago pela Verba da Campanha de Combate ao Culex, da Secretaria da Saúde do Estado, onde trabalhava há mais de ano, ganhando salário mínimo. Tentei encontrar algum serviço remunerado em navios, conversando e especulando na Capitania dos Portos, mas em vão. Minhas discussões acaloradas em família, foram convencendo os pais de que alguma coisa deveriam custear. Já havia concluído o segundo semestre do Direito, com notas razoáveis. Afinal, tinha boa base, não foi por nada que conquistei o sexto lugar no vestibular. Meu avô Mattos deu a entrada da passagem, só de ida, terceira classe (cabine de seis pessoas) para a viagem no navio ENRICO C, sendo que meu pai acabou assumindo as outras muitas prestações. Mas parti com trezentos dólares e muitos endereços de pessoas a visitar em vários países, especialmente Paris, destino final. Saído de um belo casamento, às 5 da manhã, tomei o ônibus cedinho e fui para Santos, onde, após dois dias em pensão baratíssima e fuleira no porto, embarquei para o Velho Mundo, numa longa viagem, que durou dez dias, com saudade especialmente da namorada que havia deixado por estas bandas. Enfim, como dizem, não sabendo que era impossível, fui lá e fiz.