COMER, REZAR, AMAR
O filme foi bem legal. Para comer bem, com gosto mesmo, concordo que a Itália é uma excelente referência, como Roma e Nápoles. Índia e Bali, conforme tenho reiterado, vou deixar para uma próxima encarnação. Creio mesmo que sejam territórios propícios para cultivo da espiritualidade e florescimento do amor, respectivamente. Minha intenção, agora, é tecer algumas considerações sobre a boa mesa. Vou ficar, portanto, na linha italiana, que já conheço razoavelmente. Aos mais antigos, peço apoio para informar que houve um tempo em que o “petit pois”, a nossa boa ervilha, era um toque de culinária refinado por estas bandas, assim como o champignon. Sou da era em que se venerava o coquetel de camarão – a título de entrada -, as brochetes de camarão com arroz à grega, o peru à Califórnia, o filé com molho “remoulade”, o filé à Chateaubriand, o camarão à “Newbourg”, à baiana, o pato com laranja e, notadamente, o então "inovador" Strogonoff. Para mim, nos anos sessenta, o Strogonoff era o néctar dos deuses. Mais tarde surgiu o Strogonoff de frango desfiado ou “fricassé” de frango, com champignon, eventualmente com passas. Aliás, como assinalei, champignon era sempre o diferencial, o toque sofisticado ao paladar e ao bolso. A comida chinesa tinha também o seu valor e era apreciada com certo enlevo nos poucos e bons restaurantes da cidade, como o Pagoda e o Lokun; a japonesa, praticamente inexistia, só fui conhecê-la bem mais tarde, já veterano. Não recordo de restaurante japonês importante nos anos sessenta ou setenta. Obviamente, o churrasco e o galeto eram o esplendor da comida tradicional, mas descobri que se comia coração de galinha no espeto em meados dos anos setenta ou quase oitenta, em périplos gastronômicos que realizava em finais de semana com meu filho pequeno, pela cidade e região metropolitana. Havia muitas galeterias de qualidade, com polenta frita, radicci com bacon e um spaghetti honesto. Pizzaria também não pontificava: conhecia apenas bolos com cobertura discreta de sardinha e tomate em aniversários de família. Os bons e mais sofisticados restaurantes da época eram, pelo que ora recordo, o Lajos, depois Floresta Negra, o Restaurante do Plaza São Rafael ou do Plazinha (destaque à feijoada), o Napoleon, o Restaurante do Country Club, isto nos anos 60/70. O velho Printz era bar e restaurante, mas oferecia um filé recheado ao molho de nata que matava a pau, assim como luzia, enquanto barzinho, o Renania, tanto quanto resplandeciam os restaurantes Treviso, no Mercado Público, e o Dona Maria, fronteiro à estação dos bondes, bem perto. Nos vários botecos, os “rollmops”, as conservas de picles ou os ovos duros de galinha, também em conserva, eram mais do que simples tira gosto, praticamente um banquete. Enfim, quando eu gostava, gostava, para comer, rezar e amar: lema que me empolga, que me aguça os sentidos e a memória.