Chuvas

Cai a chuva e quanto mais ela desaba eu me sinto abismar por dentro do peito. Cada gota é uma queda. Cai a noite. Tudo sujeito a ação da gravidade. Quantos graves devem ser os dias? Se pensa, logo vai imaginar que existe. Imaginação de traça, corroendo cérebros maduros, a ponto de logo transformar a memória em fruto passado e repassado. Bebo um drinque e saúdo ao deus da chuva, já que sempre existe um deus para cada coisa que desejamos dar um sentido maior. Mas a chuva é maior mesmo que eu não a chamasse de chuva e ainda que não imaginesse nenhum deus que a criasse. Orvalho não passa dessa impressão de conta-gotas, relaxando feito dipirona que se dilui no organismo e faz abaixar a pressão. Cada dia mais pressionados, seja pelo aperto do buzão, com aquele aroma de sovaco fresco, que faz arder até as narinas, como os atarados de plantão prontos a apertar a bunda das senhoritas, encoxar ou esfregar o pinto.

— Isso é um puta dum machismo!

— Do que está falando mulher?

— Desses caras que vem se esfergar na gente. Esfregam em velha e em nova, como se o pau deles fosse uma catraca em que todo mundo tem que rolar pra andar no coletivo. Se vier se esfregar em mim eu meto a faca. Hoje em dia a televisão incentiva a qualquer mulher direta andar prevenida e se defender do abuso.

— Fala baixo que estão olhando a gente.

— Deixe olhar que isso ainda pode, agora esfregar, que se esfreguem na mãe deles. E ainda tem esses velhos édófilos que olham com rabo de olho pro rabo das meninas. Eu que não coloco filha minha em colo de Papai Noel, pra esses velhacos ficarem nesse esfrega esfrega e de piroca dura diante de criança pura.

— Você exagera mulher.

— Sou é prevenida e pra frente, quem anda pra trás é sirí.

— Pensei que andava de lado.

— Não importa o lado, se não for pra frente é atraso.

O calor continua, apesar da chuva. Pinga lá fora e escorre gotas de suor aqui dentro. Liga o ar condicionado e tudo fica seco e fresco. Arranha a garganta. Pobre não está acostumado com essas regalias. Ou morre de calor ou fica doente de ar condionado, eis a condição do miserável. Come um dobrado pra comprar a estrovenga e depois passa mal com ela, se não for por conta do organismo é porque a conta de luz vem em um valor que não acredita quando vê. Fica acumulando pra pagar sempre com um em atraso, no limite do corte. Porque empresa de energia e de qualquer merda que venda não tem piedade de família, corta a luz e corta a água, e aí só apelando pros gatos, que tem fama de não ser fiel feito cão, mas que na condição de ajudar pessoas, é o melhor que tem. Graças aos gatos que foi póssível muita gente ter TV a cabo, água pra tomar aquela ducha esperta na comunidade e luz pra poder ter o conforta que o homem moderno precisa. Sem contar a interne, que espalha feito rastilho de pólvora e povoa os lares do povo de baixa renda, possibilitanto momentos únicos e um prazer inenarrável diante dos desconfortos diários. Quem não tem cão, puxa um fio e faz um gato. Ilegal dizem que é. Mas é legal cobrar impostos e surrupiar o dinheiro público sem prestar auxílio a população, é legal distribuir o saneamento de acordo com a classe social dos bairros da cidade, discriminando e chamando de periferia e uma boa parcela, é legal pagar salário mínimo, mesmo sendo difícil sobreviver com essa miséria. No mundo cão a gente se vira com o gato. E tem muito bichano bonitinho, com aqueles olhinhos grandes e roronando. Não tem como resistir.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 26/12/2015
Código do texto: T5491453
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