O DOIDO DA ONÇA

Um certo senhor, que diziam ser herdeiro da fazenda Onça, na pequenina Itabaiana, subia a Treze de Maio tirando todas as pedras do caminho. Colocavam-nas à margem. O ato de flexionar, apanhar a pedra e jogá-la ao meio fio e tornar a fazê-lo repetidamente durante os cerca de 3 quilômetros de rua, era um trabalho e tanto!

Chamavam-no de "O doido da Onça". Eu, influído pela curiosidade tão peculiar nas crianças, buscava um meio de entrevistá-lo, para saber o que o imbuía a tão laborioso ofício.

Rubem Braga, lendo ‘El matricidio en la fantasia’, de Valderedo Ismael de Oliveira, conjectura: “Que complicada é a gente por dentro, quanta coisa no porão se carrega sem saber! Somos todos uma espécie de contrabandista de nós mesmos. Quando entro em contato com tais assuntos, não me admiro mais de que haja tantos loucos e birutas no mundo; me espanto é de ver o grande número de pessoas que conseguem ser mais ou menos normais e viver dentro de certas regras, beijando as mãos das damas sem mordê-las e deixando um automóvel passar sem lhe jogar uma pedra.”

A entrevista não saía porque o senhor da Onça estava muito compenetrado no seu mister, mas um dia surgiu a oportunidade: a minha irmã Sônia casara com um moço, enteado do administrador da fazenda Maracujá. O casal resolvera fazer um passeio, de bicicleta, no campo. Quando soube que se passava antes na Onça, para depois chegar em Maracujá, os acompanhei.

Dei sorte. Ao chegar na fazenda a primeira pessoa que vi foi o ajuntador de pedras. Já ia lhe fazer a primeira pergunta, quando o meu cunhado disse, entre sorrisos, que era doido pela minha irmã. Eles estavam de fato apaixonados: eram recém-casados. O doido da Onça, olhou bem nos olhos dele e asseverou: “Nunca diga que é doido pela sua esposa, mas afirme incessantemente que a ama!” Depois apertou a mão do meu cunhado e concluiu: “Parabéns, você tem bom gosto!”

Não sei por quê, mas desisti de fazer a entrevista.