VISITAS QUE FICAM

Tenho sérios problemas com visitas que ficam. Não porque as visitas sejam importunas, mas porque sou esquisito, enquanto as visitas são normais. Têm seus hábitos, suas manias e desenvolturas normais e os põem em prática onde já não são visitas... o que ocorre quando ficam.

Quem fica acaba conquistando o direito de se tornar espaçoso e meio dono do ambiente. Deixa de pedir água e vai à geladeira buscá-la. Pede licença quando nos pomos em frente à tevê, e não pede a mesma licença para ir ao banheiro. Além do mais, toma liberdades como fazer comentários nos quais não estamos nem um pouco interessados. Às vezes, comentários que pagaríamos para não ouvir nem mesmo fora dos limites de nosso lar.

Esquisito como já disse que sou, não gosto que ninguém de fora mexa no meu fogão, ligue meu rádio, refestele-se no meu sofá, tire meus livros da estante. Odeio a simples idéia de um corpo estranho enxugado por minha toalha, e mais ainda a idéia de que alguém trouxe a própria toalha, na certeza de ficar. Tenho ciúme do sabonete e da escrivaninha e quase morro imaginando uma bunda estranha em meu vaso sanitário.

Quando a visita (ou já não visita) domina, minha casa deixa de ser minha. Fico deslocado e começo, eu, a pedir licença; me recolher mais cedo; quase perguntar se posso mexer nas minhas coisas. Fico tomado dos pudores e da timidez que o dito cujo não tem. Acho até que, num surto, se não for contido a tempo pela razão salvífica sou capaz de me mudar pro limbo e deixar tudo para o invasor.

Sou antivisitas que se instalam. Mais ainda, porque essas sempre voltam e já não tocam a campainha; não chamam do portão; não fazem qualquer cerimônia. Visitas que ficam imprimem sua marca, marcam seu território no domicílio alheio e isso é normal, é do ser humano, compõe a natureza de qualquer pessoa.

O problema é que não gosto de qualquer pessoa. Aprecio gente esquisita o suficiente para saber onde está. Gosto das visitas discretas, educadamente acanhadas, conscientes de que são são visitas. E sempre serão, de fato, porque as idôneas não ficam, a menos que cheguem, por convite formalizado, realmente para ficar.

Aí não são visitas. São hóspedes.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 27/06/2007
Reeditado em 27/06/2007
Código do texto: T543128
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