POROROCA SOCIAL

Gerações passadas não eram precisamente mais educadas no trato com o próximo. Eram, sim, gerações mais oprimidas, medrosas e subservientes. Por isso exageravam no "sim senhor" - principalmente os mais simples, de menos poder aquisitivo - e quase não mantinham seus chapéus à cabeça, de tanto que os tiravam para fazer reverências. Não lembro nem com resquício de saudosismo a ponta final daqueles tempos, que cheguei a pegar, quando fui obrigado a pedir "bênção", beijando a mão de gente que mal conhecia, tão somente por se tratar de gente mais velha. Ser mais velho, inclusive, dava direitos excessivos sobre os mais novos: mandar, escravizar, espancar e até cometer abuso sexual. Tudo muito velado e taciturno, e com uma leitura extremamente distorcida do educar.

Vejo com melhores olhos a geração presente. Já não pertenço a ela, estando com quase meio século de vida, o que me livra da condição de suspeito para dizer isto. Se hoje existem muito mais rebeldia e marginalidade expostas, ao ponto extremo de de não vermos saída, isto se deve ao grito de guerra e de liberdade que esta geração remete contra a tirania, de forma exagerada. Guerra mal conduzida, grito mal dado, que se acreditam necessários face à resistência dos que já tiveram seu tempo de reinar e não o fizeram adequadamente, querendo exercer agora esse comando e dar continuidade ao sistema de canga dos mais velhos sobre os mais novos.

O mundo está muito melhor do que era. Não enxerga isso quem mede o tempo pela sua idade e tem uma visão resumida do próprio mundo. Ninguém considera os tempos medievais, nem mesmo os séculos mais próximos passados, ao afirmar que tudo está pior. Estamos vivendo, em termos de conflitos, violência, imoralidade e bestificação apenas uma entrefase, uma variação das que precedem o ponto de equilíbrio. É uma espécie de fenômeno da pororoca: Rio e mar se encontram gerando a revolução das águas, e o mar vai acolhendo aos poucos essas águas que ajudam a mantê-lo. As últimas gerações ainda vivas, que têm uma forte influência sobre a atual, são o mar que não quer ceder. Os nossos moços, que não querem mais ser subservientes estão arrombando de qualquer jeito as portas da sociedade, e isto gera este alvoroço. Logo aprenderemos em casa, nas ruas e na escola a ceder espaço e deixar que nossos filhos e alunos encontrem seus caminhos sem precisar "forçar a barra".

Está então na mudança de postura e mentalidade dos pais, do poder público e dos professores a aquietação da juventude, para o seu progresso a partir da autoestima. Nossos jovens são melhores do que os jovens que foram nossos avós, nossos pais, e do que fomos nós mesmos, da faixa de entre 45 e 50 anos, porque eles têm à flor-da-pele um apego à cidadania e ao direito de liberdade de ir, vir e se expressar, que só precisa ser respeitado e contar com nossa orientação. Não tivemos esses valores. Aceitamos passivamente o reinado dos mais velhos e queremos impor a mesma criação em um mundo globalizado, de pleno acesso à informação e à tecnologia. Nunca mais se criará um filho contando a história da cegonha, ameaçando com o velho do saco (quando não com a sola, a vara, o chicote), nem dizendo que Deus castiga.

Do mesmo modo, a escola nunca mais educará seus alunos puxando orelhas, classificando-os como "burraldos" quando não entendem suas aulas empoladas e seus testes de pegadinhas, nem obrigando-os a venerar um país que defeca e anda para eles. A marginalidade será reduzida quando os jovens não se sentirem impelidos a se defender de quem os quer amestrados para temer cegamente a pátria, o patrão, os três poderes, a polícia e um Deus criado pelo homem para servir aos mais fortes.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 26/06/2007
Reeditado em 27/06/2007
Código do texto: T541278
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