Metade
Segundo Platão, o mais reconhecido filósofo grego, quando Deus criou o ser humano, o fez com um corpo e um pescoço, mas sua cabeça tinha duas faces, cada uma olhando para uma direção. Era como se duas criaturas estivessem grudadas pelas costas.
Tinha os dois sexos opostos, quatro braços e quatro pernas. O ser humano podia usar os quatro braços e mãos e as quatro pernas e pés. Poderia trabalhar mais e por longos períodos e as quatro pernas não exigiam tanto esforço para ficar em pé com maior equilíbrio e sem cansar. As faces opostas estariam sempre vigilantes. E a tal criatura, que tinha os dois sexos diferentes, não precisava de mais ninguém, para continuar se reproduzindo na terra.
Mas, o ser humano precisava de companhia, tinha necessidade do diálogo, do abraço, do beijo, do calor de outra pessoa e de falar com alguém.
Então Zeus, o supremo Senhor do Olimpo , lançou um raio e cortou a criatura em duas partes, criando, assim, o HOMEM e a MULHER.
A partir de então, ambos procuram a sua metade, para que se fundem novamente em uma só pessoa.
E quando homens e mulheres se apaixonam, acham que encontraram a sua metade, por que a paixão entorpece.
E sentem que a busca de tudo que querem está no outro. Que o calor do corpo tenha a mesma febre. Que o tempo de estarem juntos é sempre pouco. Que as substâncias e sentimentos carecem ser igualmente os mesmos, para que tenham efervescidos em cada um, o corpo e a alma.
Aí, o achar passa a ser uma certeza. – Nós somos a metade do outro. –
Depois, o passar do tempo começa a mostrar que, para serem a metade do outro precisariam ser iguais. Que a lágrima tivesse a mesma química, que o tato tivesse o mesmo toque. Que os olhos buscassem a mesma direção e que o suor que poreja os corpos se misturasse para ser único.
Podemos nos mostrar interessados e interessantes. Nunca a metade do outro.
O tempo traz hesitações, desencontros e mágoas e dá-se o desconcerto. Os sabores se misturam com as arestas.
E a vida, que antes era um deitar na grama do parque, sentir o sol e olhar as nuvens que formam imagens idílicas, passa a ter momentos de desânimo e paisagens áridas. O que celebrava tudo pode ser, gradativamente, a plenitude do nada.
As pessoas não são iguais, por isso ninguém é a metade do outro.
O uivo do vento soa diferente, os pés não andam o mesmo caminho. E até nos encontros, surgem os desencontros. As ideias não ocupam o mesmo espaço e a vida escorre em desnível.
No olfato, o perfume da rosa entardece e o fruto do amor vai se fazendo incerto.
As mãos que se enlaçavam, já não têm a mesma segurança e até o amor que explodia emoções rosna o som da acomodação. O entusiasmo inicial se esconde atrás de uma pedra e a paixão se esconde em si mesma. E, às vezes, o amor parte sem baixar as cortinas.
Mas, não é sempre assim, o amor pode se renovar a cada instante e sentimos a necessidade de ter esperanças, muitas esperanças, qualquer esperança. E nos atiramos ao fascínio de alcançá-las. O coração do outro precisa ser ouvido constantemente.
Atar fios soltos, catar afetos, trilhar a alma. Ter uma vida transcendente e saudável e deixar fluir a ebulição do encontro. Porque no amor precisamos sempre deixá-lo vivo e ativo.
Podemos ser felizes, sim, mas nunca seremos a metade do outro.
Quem sabe sejamos a metade do outro, nos desencantos e medos?