ÓRFÃ DE CARINHO
As atitudes frias e distantes, sempre contraditórias do que diziam, já tinham mostrado àquela criança de seis anos um pouco do mundo. Amarga era a sua sina por longo tempo, depois de ter sido a caçula de um pai que se fora no quinto aniversário dela. A mãe, em busca de esperança, sob o efeito de vãs promessas, o Atlântico atravessou. Deixaria, para sempre, o verde vale, onde nascera. Agora, sempre sozinha, contava estrelas em um certo telhado de uma bela e “fria” casa na Tijuca.
Sua boneca era de pano, “uma bruxa” (Falar nisso, hoje, parece tolice. Há bonecas de todos os tipos nas prateleiras e nas ruas, até mesmo as que não têm noção do que valem e geram bonequinhas e bonequinhos, ao relento, pelas ruas) Aquilo era seu único brinquedo, ou melhor, o que lhe fora deixado. Tudo fora jogado fora. Não prestava. A boneca era feia, quase sem braço. No entanto, tornou-se sua companheira no silêncio que já a cercava. A menina lhe dava tanto amor como se de porcelana fosse.
Certo dia, revestindo-se da coragem que sempre a arrastaria pela vida, resolveu pedir aos tios ricos, uma pequena boneca, já quebrada, mas ainda bonita, que estava a um canto, para jogar fora junto com tantos outros brinquedos, já inúteis da menina de quem a garota tomava conta. A resposta juntou-se à ação. Dos tapas à correia. Nunca mais pediu nada. As marcas dessa surra expulsaram sua meninice, pelo menos para aqueles adultos. Sua mãe nunca saberia.
Entreabrindo, logo depois, novamente a porta sonhos, voltou a contar estrelas, abriu um pouco da infância perdida. Aventurou-se em uma nova estrada, ditada ela orfandade de carinho.
Assim, vestiu de azul a boneca de pano. Não um azul qualquer. Ela o arranjara no lixo da casa. Um vestido de papel, com colagens que, a todo momento saiam, pois não tinha cola. A menina enchia a boneca de presentes. Embrulhava qualquer coisa que considerasse diferente e bonita e dizia, sozinha, em noites de lua cheia, pois não podia acender a única lâmpada do sótão:
-Trouxe este presente para você. Não chore mais. Não vê, Lua – esse era o nome da boneca – que é bonito e só seu.
O diálogo era longo. A boneca, em sua imaginação, respondia e agradecia e as duas riam... riam muito. De vez em quando, aquela boneca criava vida e também lhe dava presentes. Podia ser uma tampa brilhante de garrafa, uma pedrinha, um toco de lápis. Eram presentes. Aquela criança nunca mediria nada, em sua vida, pelo valor material. Em tudo punha o seu profundo amor. Portanto, ela e a boneca eram plurais, na fantasia e na vida silente.
Sem perceber, distintos papéis, em sua vida de criança, aquela boneca exerceu. Perpetuou sentimentos que ficaram imunes à ação do tempo, à sombra de frondosa árvore que só Deus sabe colocar nos corações humanos.
Mas, conversando com Lua, descobriu que ela tinha irmãs. De fato, a menina as fizera. A sorrir, pegava caixas de fósforos vazias ou de remédio, papéis coloridos, pedaços de tecido dos vestidos de noite e de luxo que sobravam da filha da tia e deu vida a outras, com braços e pernas improvisados.
Com mãos ardilosas, criou uma família de ilusão, nas paredes da vida.
Seu rosto se iluminava e seus grandes olhos castanho-escuros brilhavam (hoje, quase nada enxergam), quando falava com as suas bonecas – todas com nome – na madrugada. Cheia de confiança, ouvia uma, após outra. Todas lhe pediam coisas. Porém, ela lhes falava:
- Espere Mary, seu vestido azul vai chegar.
- E você Luci não sabe que o seu é rosa. Por que chora?
- Ah, o meu vai ser lilás. Também vou com vocês.
Nesses cuidados, na singeleza e grandeza daqueles gestos coloriu a própria vida. Fugiu à aridez de carinho em que vivia.
Em certa ocasião, lembrou a Ema, outra de suas bonecas, que falasse baixo e só depois que a lua as espiasse. Linda. Cheia. Por quantos anos, aquela criança se valeria daquela mesma luz para ir em frente.
Nessa história de uma menina está a oferenda maior de Deus para os órfãos de carinho, um hino ao amor universal.
As atitudes frias e distantes, sempre contraditórias do que diziam, já tinham mostrado àquela criança de seis anos um pouco do mundo. Amarga era a sua sina por longo tempo, depois de ter sido a caçula de um pai que se fora no quinto aniversário dela. A mãe, em busca de esperança, sob o efeito de vãs promessas, o Atlântico atravessou. Deixaria, para sempre, o verde vale, onde nascera. Agora, sempre sozinha, contava estrelas em um certo telhado de uma bela e “fria” casa na Tijuca.
Sua boneca era de pano, “uma bruxa” (Falar nisso, hoje, parece tolice. Há bonecas de todos os tipos nas prateleiras e nas ruas, até mesmo as que não têm noção do que valem e geram bonequinhas e bonequinhos, ao relento, pelas ruas) Aquilo era seu único brinquedo, ou melhor, o que lhe fora deixado. Tudo fora jogado fora. Não prestava. A boneca era feia, quase sem braço. No entanto, tornou-se sua companheira no silêncio que já a cercava. A menina lhe dava tanto amor como se de porcelana fosse.
Certo dia, revestindo-se da coragem que sempre a arrastaria pela vida, resolveu pedir aos tios ricos, uma pequena boneca, já quebrada, mas ainda bonita, que estava a um canto, para jogar fora junto com tantos outros brinquedos, já inúteis da menina de quem a garota tomava conta. A resposta juntou-se à ação. Dos tapas à correia. Nunca mais pediu nada. As marcas dessa surra expulsaram sua meninice, pelo menos para aqueles adultos. Sua mãe nunca saberia.
Entreabrindo, logo depois, novamente a porta sonhos, voltou a contar estrelas, abriu um pouco da infância perdida. Aventurou-se em uma nova estrada, ditada ela orfandade de carinho.
Assim, vestiu de azul a boneca de pano. Não um azul qualquer. Ela o arranjara no lixo da casa. Um vestido de papel, com colagens que, a todo momento saiam, pois não tinha cola. A menina enchia a boneca de presentes. Embrulhava qualquer coisa que considerasse diferente e bonita e dizia, sozinha, em noites de lua cheia, pois não podia acender a única lâmpada do sótão:
-Trouxe este presente para você. Não chore mais. Não vê, Lua – esse era o nome da boneca – que é bonito e só seu.
O diálogo era longo. A boneca, em sua imaginação, respondia e agradecia e as duas riam... riam muito. De vez em quando, aquela boneca criava vida e também lhe dava presentes. Podia ser uma tampa brilhante de garrafa, uma pedrinha, um toco de lápis. Eram presentes. Aquela criança nunca mediria nada, em sua vida, pelo valor material. Em tudo punha o seu profundo amor. Portanto, ela e a boneca eram plurais, na fantasia e na vida silente.
Sem perceber, distintos papéis, em sua vida de criança, aquela boneca exerceu. Perpetuou sentimentos que ficaram imunes à ação do tempo, à sombra de frondosa árvore que só Deus sabe colocar nos corações humanos.
Mas, conversando com Lua, descobriu que ela tinha irmãs. De fato, a menina as fizera. A sorrir, pegava caixas de fósforos vazias ou de remédio, papéis coloridos, pedaços de tecido dos vestidos de noite e de luxo que sobravam da filha da tia e deu vida a outras, com braços e pernas improvisados.
Com mãos ardilosas, criou uma família de ilusão, nas paredes da vida.
Seu rosto se iluminava e seus grandes olhos castanho-escuros brilhavam (hoje, quase nada enxergam), quando falava com as suas bonecas – todas com nome – na madrugada. Cheia de confiança, ouvia uma, após outra. Todas lhe pediam coisas. Porém, ela lhes falava:
- Espere Mary, seu vestido azul vai chegar.
- E você Luci não sabe que o seu é rosa. Por que chora?
- Ah, o meu vai ser lilás. Também vou com vocês.
Nesses cuidados, na singeleza e grandeza daqueles gestos coloriu a própria vida. Fugiu à aridez de carinho em que vivia.
Em certa ocasião, lembrou a Ema, outra de suas bonecas, que falasse baixo e só depois que a lua as espiasse. Linda. Cheia. Por quantos anos, aquela criança se valeria daquela mesma luz para ir em frente.
Nessa história de uma menina está a oferenda maior de Deus para os órfãos de carinho, um hino ao amor universal.