OFF (Cidadão perfeito aos olhos de quem está no poder)
O cidadão acordou em plena segunda-feira e não deslumbrou o sol que invadia seu quarto através das frestas da janela. Pois o vazio da noite e da semana passada ainda lhe consumia. Estava na função stand by e sabia que daqui a 5 minutos iria se levantar, para sobreviver e não para viver mais um dia.
Vendeu sonhos para buscar conforto através de um emprego odiado e tedioso. Como de costume, sentou-se na cama e, automaticamente, começou a rezar. Mas não como havia aprendido com sua mãe. Agora eram poucos agradecimentos e poucas preces. Há muito já não pedia pela saúde ou a salvação de alguém. Aprendeu sozinho que Deus fez o homem livre, a ponto de não poder tocar o seu íntimo sem que o mesmo permita. E todos eram autodestrutivos, de alguma maneira, consumiriam a saúde em vícios ou em dias exaustivos em busca de riquezas inexistentes. Sendo assim, era perda de tempo pedir bênçãos que não estivessem ao alcance de Deus. Então limitava-se a pedir apenas que o dia passasse rápido. Agradecimentos apenas um: agradeceria por Deus ter lhe dado a sensibilidade de encontrar no cotidiano a função off em sua vida.
E naquela oração ele achou a função off. Por um momento sentiu paz ao saber que tinha a capacidade de encontrá-la, em uma cama preguiçosa em seus súbitos dias de folga, no balcão de mármore da padaria em um copo cheio de um destilado qualquer, em dias de pagamento ao lado de amigos descartáveis para comemorar em uma mesa de bilhar, ou no velho carteado. Encontra-la em uma música, em um filme qualquer, na pipoca no refrigerante, no frango de padaria em pleno domingo, sentado na poltrona em frente à tv, sem importar com o tamanho da barriga e com a invisível ampulheta da vida.
Ao fim da oração a paz foi embora. Olhou para a porta e pensou que sempre desejou estar à margem de tudo aquilo. Invejava os mendigos espalhados pela praça da cidade, sem pressões sem responsabilidades. Um nível muito avançado de desfrutar a função off. No entanto, não tinha coragem nem forças de privar-se do materialismo que também o levava ao módulo off.
A função off limitava-se a uma rota de fuga daquela realidade onde poucos desfrutavam de seus sonhos. A função era usada por todos. Até mesmo em discursos repletos de palavras vazias ela era encontrada. Deus tinha dado a todos a sensibilidade de achar a função off, para não surtarem com a vida, para não atentarem contra ela, e para não esquecerem de sua existência celestial. Assim, tudo caminhava em uma tediosa e trágica harmonia.
Além da função stand by e off havia a função on. O cidadão sabia que estar em on causava drásticas mudanças. A harmonia a qual todos estavam acostumados era quebrada. Um tapa na cara da sociedade. E antes de atravessar a porta do seu quarto resolveu fazer mais um pedido a Deus: que de forma alguma o castigasse lhe concedendo a sensibilidade destrutiva de ativar a função on em sua vida.