A POBRE ALMA RICA
Eu sou a alma mais rica desse cemitério. Tenho a maior e mais branca tumba que há nele. Meu féretro foi importado da Europa. Feito de puro pinho e impermeabilizado com verniz biodegradável.
O espaço onde fui velado, foi ornamentado por centenas de ramos e pétalas de rosas e flores silvestres frescas.
Os sofisticados e bilíngues garçons com suas luvas brancas e gravatas borboletas, serviam petiscos e bebidas aos ecléticos e refinados veloreiros, recepcionados por minha mulher e meus filhos, todos de óculos escuros para ocultar os vermelhos e intumescidos olhos de tanto chorar.
O banqueiro fez um discurso comovente. O senador foi muito eloquente com sua expressiva retórica. Foi aplaudido até pelos ministros e deputados da oposição. Todos exaltavam a grande amizade que tinham por mim. Foram enfáticos ao falar da perda que o mundo tivera com a minha partida.
Em clima d emoção e euforia, fui trazido para cá. O meu ataúde envolto às bandeiras do Brasil e do Corinthians, foi descendo lenta e definitivamente aos aplausos da multidão. Foi uma grande festa.
Mas logo todos se foram e tudo ficou escuro, silencioso e frio. Tem sido assim sempre. Eu não entendo. Certa vez ouvi um comentário de dois vizinhos que passavam por meu túmulo:
- Quem é o almofadinha aí?
- Eu não sei. Dizem que tá aí faz tempo.
- Hum... isso é mal. Deve ficar aí pela eternidade.
Até hoje não ouvi mais nada. Eu vou é comprar essa eternidade e tudo aqui.
Eles não sabem quem eu sou.