vanitas vanitatum et omnia vanitas*
"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"
- Fernando Pessoa
Hoje acordei com um objetivo bem simples em mente, o qual eu já havia arquitetado com antecedência: ir até a Faculdade de Guanambi, pegar meu comprovante de matrícula e retornar a Caetité até as 10h, horário em que inicio a minha jornada de trabalho. Tarefa simples, não? Pois é, foi o que eu pensei. Fazia frio como há muito não se sentia em Caetité. El Niño, La Niña, efeito estufa, aquecimento global e o escambau, mas eu sentia aquele clima que me era familiar quando jovem. Garoava fininho até! Tive que usar o limpador de parabrisas até adentrar a rodovia BR 030, quando a névoa deu uma trégua. Eu esperava um trânsito mais tumultuado com caçambas, carros-pipa, bi-trens abarrotados, rebocadores de torres eólicas, mas não! O trânsito estava tranquilo. Digo tranquilo até as mediações da estação da EMBASA quando ultrapassei sem dificuldade um L-1620 e me deparei com uma fila de veículos. Notei que o tráfego era contido por um ônibus que me parecia escolar ou de transporte de operários, mas logo ele pegou o desvio à direita no sentido ao acesso à BA 430, saída para Igaporã. Então sobraram apenas alguns veículos de passeio que, por estarem mais lentos, os ultrapassei rapidamente até que cheguei ao último que faltava. Tudo bem que era uma BMW, não sei dizer o modelo pois mal sei reconhecer modelos de carros populares, mas sabia que era uma BMW por conta das letras B, M e W ao redor de um círculo nas cores azul, branco e preto, enfim, a logomarca da fabricante. Eu estava entre 90 e 100 km/h e tinha pressa. Estávamos numa reta, não havia veículos vindo na contramão e não estávamos em faixa dupla contínua. Dei o sinal de ultrapassagem e fui. Pra que... O motorista (não tenho certeza mas parecia que o condutor era um indivíduo do sexo masculino) ao perceber que eu estava tentando a ultrapassagem acelerou e acelerou até o final da reta e não permitiu a minha passagem. Tudo bem. Voltei para a minha posição inicial. O velocímetro voltava a marcar 100 km/h e estávamos novamente numa reta livre com faixa pontilhada. Mais uma vez dei o sinal de ultrapassagem e o outro condutor acelerou e acelerou e não permitiu em nenhuma hipótese a minha passagem. Voltei novamente para trás do bendito. Por um instante eu pensei que era muita pretensão da minha parte ultrapassar uma BMW com um Palio 1.0 2008, mas não era, como pude descobrir adiante. Chegamos a uma terceira reta livre e tudo se repetiu orquestradamente. Foi quando eu percebi que o problema não era o pífio rendimento do motor do meu carro, mas algo que estava na mente do "dono da pista": o ego. Ah, o ego... "vanitas vanitatum et omnia vanitas". O combustível da fogueira das vaidades é a ostentação! Não sou nenhum piloto, na verdade sou um motorista medíocre que evita ao máximo o uso do veículo e apenas o utilizo como meio de transporte e/ou carga, mas era evidente que o bacana no carrão estava deliberadamente me fechando. Tive um flash back em um segundo e me lembrei do filme "Red Tails" e me senti um dentro de um P-51 tentando atacar um ágil e furtivo Messerschmitt 262 da Luftwaffe manobrado por um piloto sádico, doutrinado por Himmler em pessoa, rindo sarcasticamente de mim. Voltando a aquele cenário de guerra rodoviária deflagrada pelas manobras irresponsáveis do condutor da Bayerische Motoren Werke, eu não me intimidei. Esperei a próxima reta e fiz uma manobra um tanto inusitada e igualmente irresponsável: dei o sinal de ultrapassagem e a BMW acelerou... Bom, como eu estava com pressa e não vinha ninguém na via oposta, rsrs... Esse foi o único recurso que tive pra fazer o bacana destravar a roda. E assim foi até que nos deparamos com 24250 (eu acho) e um Gol quadrado. Como eu havia deixado o pisca de ultrapassagem ligado o coitado do motorista do Gol se jogou no acostamento e com uma manobra rápida e sutil, ultrapassei a famigerada besta alemã. Fui seguindo meu caminho e não mais vi a BMW nos meus retrovisores. Entrei no perímetro urbano de Guanambi sem demais problemas e chagando à faculdade estacionei. Entrei e fui ao departamento de pós-graduação, peguei minha documentação e fui embora. Aproveitei a promoção num posto para abastecer a R$ 3,28 o litro! Fiz uma viagem tranquila de volta a Caetité.
Moral da história: 1 - use o cinto de segurança; 2 - só ultrapasse na faixa pontilhada; 3 - dê a preferência, pois alguém no veículo que pede passagem pode estar passando mal, tendo um ataque, esteja socorrendo alguém, etc; 4 - esteja você num carro popular, importado ou de luxo, não seja um babaca no trânsito; 5 - a necessidade de alguém demonstrar poder através da ostentação de bens materiais é um sinal de fraqueza espiritual, vazio intelectual, dentre outras coisas nefastas; 6 - essa sociedade de consumo baseada na ostentação é um saco e está passando dos limites; 7 - ter uma BMW e ser ultrapassado por um carro popular dirigido por um negro deve ser algo terrível para certas pessoas suportar; 8 - que porra de mundo imbecil é esse????
Caetité (BA), 17 de julho de 2015
*Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade. Conclusão melancólica do Eclesiastes (XII, 8), sobre a pequenez das coisas deste mundo.