Monólogo dos improváveis 40 anos
A noite já se fazia alta e assim mesmo meus pensamentos se digladiavam antropofagicamente. No fim das contas a briga interna tinha como pano de fundo um projeto profissional que não deu certo. Fiquei me martirizando por um longo tempo até perceber (ou melhor, aceitar), que era muito mais que isso.
Outro dia assisti a um filme em que o “mocinho” morre no final. Às portas da morte ele diz ao casal de filhos e à ex-esposa simpática: “...a família... a família em primeiro lugar...”, e bate as botas. Ele se referia ao fato de ter aberto mão de sua família e de uma vida pessoal para se dedicar exclusivamente ao trabalho. Poxa, durante os dias e noites em que me auto-flagelei por não ter tido sucesso no tal projeto profissional, descobri que não tive sucesso em nada.
Pânico: Daqui a seis meses faço 40 anos, o que construí? Aonde cheguei? O que plantei? Pânico 2: Essa maldita doença fatal que não tem final vai ficar me segurando aqui até quando? Não dá pra começar de novo, não dá pra começar o novo, não dá tempo. E assim a imbecilidade dos paniquinhos ficam que nem ressaca de vodka falsificada martelando na mente. Tenho um amigo que quando bebe muito, no outro dia fica repetindo em voz alta: “nunca mais! Nunca mais”, passam uns dois fins de semana e lá está ele, repetindo o mesmo mantra. Fico até com inveja. Gostaria de dizer “nunca mais” para um monte de coisas, dizer nunca mais pra mim mesmo, afinal, onde tudo me levou? A escrever uma crônica desnecessariamente publicável de meu insucesso como ser humano?
Dados os símbolos, morrem dois amigos, meu cão e a árvore que plantei ainda imberbe. Fico bobo olhando o céu: “– que porra é essa???” Sei que não existem as opções “pausar”, “refazer”, “deletar dor de dente”. Talvez seja à hora de clicar em reiniciar, (assim que o “enter” voltar a funcionar).
Clarice Lispector dizia que seus dias eram um só clímax, pois vivia à beira. Pode ser que eu também seja caleidoscópico como ela. Também quero minha verdade inventada. Por enquanto vou ficando por aqui, chamando de literatura minha dor de cotovelo, gastando seu tempo com meu péssimo português e dizendo bem baixinho: ... nunca mais.
29 de junho de 2015.
Uberaba, MG – Inverno...