SOBRE BOCÓS

Aos vinte e dois anos de idade namorava a moça de quinze. Tinha por ela um amor intenso e verdadeiro, que o fazia tratá-la como rainha. Senhora de todas as coisas. Deusa. Seu amor, entretanto, tinha um quê de tempero e maturidade. Um equilíbrio raro para sua idade pós-adolescência.Ele sabia, como poucos jovens, que tudo tem o seu tempo. Via na amada, como em si próprio, um verdor inadequado para relacionamentos físicos mais profundos e definitivos. Precisavam se conhecer, se curtir e vivenciar com amplitude, ter certeza de que se achavam preparados, maduros o bastante para um momento tão sublime. Um momento que seria o mais importante de suas vidas. Tinha que ser.A moça de quinze também o amava. Seu amado era tudo em sua vida. O próprio ar – dizia sempre, lançando mão de um clichê bastante usado, mas que retrata perfeitamente a intensidade de uma grande paixão. Paixão mesmo, à flor-da-pele, apimentando sobremaneira o seu amor.O sentimento da moça não tinha o mesmo equilíbrio, a mesma razão que pautava o do rapaz. Era mais inconseqüente, sonhador, menos ponderado e racional. Tinha muito arroubo e precipitação. Ao passo em que ele tanto sentia quanto pensava ela só sentia. Era toda emoção. O coração assumia a pele, numa cumplicidade que sempre excluía a mente.Foi com tristeza e muita resignação que o rapaz a fez sair de sua casa num dia em que estava só e ela entrou, sorrateiramente, logo após despindo-se para ele. Desejou-a com fúria, quase não resistiu, mas tinha certeza de que a namorada não sabia exatamente o que estava fazendo. Era muito cedo, estava certo disso e não seria irresponsável para tanto.Depois de muitas idas e vindas, outros namoros, fases conturbadas, ambos estão casados há muitos anos. Têm uma filha de quinze anos, com o mesmo temperamento afetivo da mãe. A senhora que um dia se indignou com o homem de sua vida, chamando-o de bocó, vive sobressaltada com a filha, que ainda nem namora, mas deixa transparecer como é fogosa.O lamento materno está em saber que hoje, muito mais do que em outrora, são raros os rapazes sensatos, equilibrados, maduros... Ou bocós, como agora já não acha que o marido era.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 16/06/2007
Código do texto: T529029
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.