O que RESTOU da MORTE

Estava acuado no meu canto estudando a gênese humana, quando de repente, meio de supetão, fui informado pela atendente que a transação havia sido feita e eu teria que seguir o casal de adolescentes. Fiquei estarrecido, porque embora soubesse que mais cedo ou mais tarde isso viesse acontecer, existem coisas que por mais que saibamos, soa como novidade inesperada; porém neste caso, foi ultimato. Em mãos e depois no “estira de couro” de qualquer um, estaria indo para a minha luz derradeira. Em questão de horas, conheceria as trevas.

Situação constrangedora é saber teria que ir, sem ao menos ser comunicado previamente para onde estava indo. E se não me adaptasse ao dito sujo? Sei que fui projetado conforme a média do país, o qual é a minha nacionalidade; mas quem disse que o criado mudo não poderia ser maior ou menor? Se fosse maior, ficaria lânguido chacoalhando e se fosse menor? Seria estuprado sem cuspe. Conjecturas e humilhação: isto foi o que senti naquele momento de partida; contudo, quem veio ao mundo sem ser chamado e direito de opção, o melhor é esperar os acontecimentos para depois berrar os erros de projeto, porque dos acertos e virtudes, vangloriam. E, em virtude desse estupro psicológico, relaxar e gozar; resta saber como, pois os espíritos de meus falecidos amigos sempre vinham me atazanar na madrugada, com conversas que quem goza são outros e nós seguramos o esperma. Na vida, fala com conhecimento de causa, quem pelas experiências passou; então, sobre isso, não dizia nem sim e nem não.

Fui jogado na bolsa e juntamente com um monte de badulaques, seguimos viagem. O que e em quê daria àquela aventura toda? Para o meu espanto, os demais objetos pouco ou nada importavam com o acontecimento, mostravam-se bastante frios uns com os outros. Talvez eles fossem tarimbados nesse tipo de caos. Analisando e colocando-me no lugar de todos, não tinha a menor ideia, que na vida é cada um para si e quem quisesse que tomasse as dores dos demais; porém, não apareceu vivalma com esse sentimento solidário. Tinha comigo que eles sabiam plenamente a sina de cada um. Íamos com as esperanças e sentimentos, além de latentes, comprimidos um contra todos.

Chegamos num lugar estranho e lúgubre, escuro e sem luzes, cheirando a mijo e merda nos cantos das paredes e corredores, homens e mulheres tragando uma erva estranha no cachimbo, gemidos em outros compartimentos e crianças com animais domésticos completando o cenário. Entre os dentes, os objetos e a bolsa cochichavam. Eu procurei manter a serenidade, esperando o desenrolar do movimento. Fomos largados num canto e os dois sumiram nos escombros do ambiente, que dava a noção de ser demasiado grande.

No interior, ao longe, o que se ouvia eram passos, zunzunzum constante, irritante gemeção e faiscamento do acende-apaga semelhante a vagalume em cupinzeiro. Se não fosse a desilusão e esperança daquilo que jamais aconteceria, o pisca-pisca das brasas seria lindo de se ver. O enigma segredado rumina sua existência nos lugares mais inóspitos e recônditos onde quem conhece e usufrui são os obstinados e corajosos; se é que aquele lugar mórbido pode ser considerado ambiente para seres corajosos.

Sem a preocupação com o tempo, reapareceram. Jogaram-nos de lado e por ali ficamos. Os dois sentaram de cócoras ao redor de mais um monte semelhantes a eles e esquisitamente, confabulavam: ora por código, ora deliberadamente; no entanto, eu nada entendia. Procurei saber com alguns objetos se sabiam do que se tratava aquela codificação e linguagem, mas ninguém batia com a língua nos dentes. Às vezes, palavras é arma apontada para a cabeça do falaz. Cada um mais ressabiado que o outro, não deixavam escapar quem seria o sacrificado. Tudo dava a entender que seria eu o Tiradentes procurado pela corte Portuguesa.

O rapaz levantou-se. A moça pegou a bolsa. Sem maiores delongas, ela o intimou: “vamos”. Onde estariam eles indo? Senti calafrios, no entanto, mais uma vez mostrei serenidade. Enveredamos por um corredor que não tinha mais fim e chegando ao fundo, viramos à direita e ela disse: “aqui”. A porta sem lubrificação rangeu o sentimento do desprezo. Engraçado que tudo era dito com uma única, ou palavras breves. Fomos jogados de lado. Ficaram por ali enroscando um no outro. Na minha leitura visual, notava

um novelo de lã serpenteado um poste. Coisa horripilante. Feito o cerimonial, quando ele disse: “ponha, que é agora. Não suporto nem mais um segundo”. Por fim, chamaram-me para o trabalho.

Daquele instante em diante, sofri as maiores humilhações possíveis e imagináveis. Batia para lá e para cá. Sofria verdadeiros impropérios de palavras e esfregões. Solavancos para todos os lados. Calado, ouvia os gemidos e dando uma de desentendido, sofria os fortes socados e coisas mais. Uma aberração sem fim, porque, embora não sabendo, nos momentos de aflição, um minuto equivale à eternidade. Sinceramente, o sufoco por que passei não desejo para ninguém; todavia, morri, mas penso que salvei no mínimo um ser da desgraça da fome que assola, senão o mundo, pelo menos está enraizada em alguns países. A miséria e a pobreza são duas pragas que conduzem os povos à inquietação e assombra feições. Para elas, não existe o belo; existem sim, a palidez nos olhares e o quadro emoldurado com o esqueleto da própria praga fazendo careta no centro.

Dois urros ensurdecedores reverberaram pelo labirinto dos ambientes fétidos: “Uarraah! Uarraah”! Na sequência, inapelavelmente, ouvi: “Pronto! Serviço terminado. É com você”. Pegaram-me pelos dedos, estrangularam-me à boca com um nó cego impossível de ser desfeito e impiedosamente, fui lançando contra a parede. Nada mais era que plasma inócuo e desprezível. Aos poucos fui rolando parede abaixo e agonizando a sorte, desmontei no piso. Morrer era questão de segundos; motivo deu apressar para dizer algo que pudesse servir de alento para a humanidade e assim terminei: “Do fundo do coração, torço imensamente para que o futuro da humanidade seja construído com mais amor e liberdade e zero de putaria, libertinagem e drogas; embora tremendamente sofridos, que os feitos por quais passei, sejam propagados nas esquinas e lares do mundo inteiro.

Deixo a mensagem para fazer sexo e não criança, pelo amor e o temor que todos dizem ter do Criador. Quem não tem conhecimento do que faz, produz a inconsequência. Não torne esse mundo ainda mais infeliz e prostituído do que está. Vidas merecem viver, ser felizes e preservadas e o princípio, é usando preservativo. Muito agradeço”!

A vida pode ser fragmentada em inúmeras vidas, mas a morte é somente uma. Foi o que me ocorreu: uhhum! Suspirei-a consternado, contudo, pela vida que salvei: aliviado! Sina e missão devem ser respeitadas e cumpridas.

Boa noite!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 12/05/2015
Reeditado em 15/05/2015
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