A PRIMEIRA CONQUISTA
A aparência que conquista é a mesma que confunde.
Não deixe, meu deus, não deixe,
Que esta terra inacabada torne-se o centro do mundo. Os humoristas do escárnio acreditam que risar é ter-se contra as bichas, os pretos, os pobres. Humor de covarde dá coragem ao ignorante. Humor covarde não toca no banqueiro. Pois, quem ri ou quem pia, crê que no fim do voo estará o pote para tornar-se banqueiro, ou coisa próxima dele.
Rir de si é desaforo. Humor que não ri de si é egoísta.
E de egoísmo em egoísmo ficamos cada vez mais idiotas.
Tenho saudade é das cartas: gosto de uma correspondência.
A solidão das redes sociais não tem cara de abandono. Apenas através das redes sociais é que podemos ser ouvidos. Mas não estamos interessados em ouvir, por isso um botão curte, por conta disso outro botão deleta. Estamos aqui de passagem, mas, enquanto estamos, pretendemos ficar.
O meu patrão me deu um aumento: agora levo os afazeres para casa. Entregou-me a máquina, deu inveja nos colegas, dedicou-me um carro, até vieram me cumprimentar. Trabalho em dobro e recebo o mesmo, entretanto, agora tenho desculpas para ficar em casa. Distante da vida, carente de tempo e a franzir a testa para aquilo que é desimportante.
Entro em uma loja com pose de quem jamais perguntará dos preços. É caro demais aparentar-me com dinheiro contado: sou o sujeito preferido, recebi do meu chefe a incumbência de ser destaque. Tivesse ele me entregue manivela, ninguém daria trela, mas ganhei computador, automóvel, cartão e senha.
Mas nada disso tudo é meu.
A aparência que conquista é a mesma que confunde.
Tenho palpite de tudo, ainda que, no fundo, a certeza não me valha. E, reparo, no serviço, no posto ou na padaria, os palpites são os mesmos. Isso me dá clareza das coisas, ainda que à noite o travesseiro me alicie a perceber que as opiniões jamais foram minhas. E que (no fundo) não ter clareza é a melhor forma de dominar um assunto: se nos contrariam, fugimos dele sem dor.
O detalhe da minha vida é ser bastante. Eu preciso ser admirado. Subir ao palco das sensações e ouvir o aplauso das conquistas. Ou seria o contrário?
Não há poesia nas coisas vividas. Ninguém deixará saudade por aquilo que tem.
Mais tarde tem espetáculo, a empresa me deu dois bilhetes, comédia, humor, rir para relaxar. A vida me estressa.
Não tenho ninguém de companhia, as redes sociais não acessam a esse tipo de convite. Fui, morri de rir, voltei. Não tive em quem dar aquele leve toque com o cotovelo e dizer, em gargalhês: “favela, você entendeu? Favela”. Não compartilhei a piada com ninguém, ri aqui, sozinho mesmo.
Na graça a que me cabe o mundo.
Com a altivez de quem entende, por completo, um show de stand up comedy.
É tão bom ser independente.
Independe da gente o fato de o mundo estar alegre ou triste.
O que interessa é o banqueiro.
O meu sonho em ser banqueiro. Por isso a piada sem gosto me tanto atrai. Por conta disso eu preciso ser bastante. E repito as ideias, e refaço planos, cancelo viagens e vendo as minhas férias.
Chegar a ser banqueiro certamente não possui o mesmo gosto de acreditar que lá se chega.
Um passo de cada vez. A palavra positiva na ponta da língua.
Só assim, meu deus, só assim: serei então um templo concluído, o planeta acabado,
E poderei ser a saudade de alguma coisa.