A Morada da Alma
A Muricy Domigues
A palavra grega ética em sua gênese significaria Morada da Alma. É uma imagem linda, que por si só eleva, engrandece. Nós nos sentimos maiores quando nos lembramos de que o nosso comportamento é norteado por uma entidade sublime já no nome: Morada da Alma. Devemos nos considerar seres superiores: é glorioso o solar que habitamos.
Nem importa que a nossa casa tenha muitos compartimentos. Nós nos esquecemos de que há o bem do João e o do André, da Maria e da Madalena. Indivíduo é uma palavra menor, não conta. Os indivíduos são mesquinhos, apequenam a terra em que pisam ou o ar que respiram.
Então é difícil, quase impossível, pensar na alma de modo absoluto. Há quase infinitas almas neste mundo conturbado. Mas não deveria ser: à imagem e semelhança do Criador, todas as almas devem refletir-se numa só. Portanto, o bem é uno e indivisível.
Quem não crê em um Criador ou na alma, não passa pela prova do espelho em que todos nos refletimos: a carga de humanidade que carregamos é a mesma. O que trazemos de essencial dentro de nós é o que nos faz distinguir o bem do mal. Absolutamente.
Estou falando da alma de modo absoluto. Não há como debulhar os grãos da espiga: ela somente será uma espiga de milho ou trigo quando completa. Absoluta. Pode haver infinitas almas, mas são uma só: na concepção do mundo, na concepção do ser, na concepção do bem, não são muitas, mas uma alma que age.
O que é bom para o lobo não é bom para o cordeiro? É esse o julgamento que pensamos emitir, em nossa sociedade. Parece um dilema ético insolúvel. Mas não deveria haver nem lobos nem cordeiros, todos vestimos a mesma pele. Estupidamente, não nos enxergamos.
Não estou querendo me apoiar no bordão de uma teoria simplista para determinar o que é o bem. Mas insisto em que não pode ter múltiplas faces, ser um para um indivíduo e outro para a sociedade.
Ainda mais: existe uma ética da situação? Eu sou eu mais as minhas circunstâncias, dizia Ortega y Gasset. Não há um limite para essa assertiva? Não seria um tanto vaga? Tudo tem limite. Eu sou mais eu, não sou condicionado pelas circunstâncias. Embora possam influir na qualidade do meu julgamento do bem, eu abro as janelas ou as portas da minha casa – a Morada da Alma! – quando e como eu quiser.
Existe uma ética de resultados? Os meios determinam se o resultado é bom? Insisto num bem absoluto. Um bem relativo é como a mulher relativamente grávida.
Vivemos em sociedade e devemos agir perante os outros. Como? É a questão central da ética. E como os outros devem agir perante mim? Parece estar bem guardado ou escondido o parâmetro do bem ou do mal, a ética. Vem a velha história do lobo e do cordeiro.
Estou falando dos nossos homens públicos, do nobre governo da pólis. Estou falando dos deputados e senadores, que fazem as leis, e dos magistrados e desembargadores, que julgam se o nosso comportamento está de acordo com essas leis, uns e outros fundamentados na ética. Mas a ética, oras! Vivemos a ética do lobo. Quando políticos e juízes visam aos seus próprios interesses, são lobos. Desconhecem a morada da alma, a ética.
A sociedade, sujeita à ética do lobo, faliu. O glorioso solar que habitamos submerge no lodo dos pântanos escuros. A pureza da alma foi conspurcada, regredimos à condição de feras. Ruiu a Morada da Alma, ruiu o homem.