Charutos e MÉDICOS CUBANOS
Aquele senhor, que se denomina Lord Charuteiro, perdeu-se no tempo e aposentou seus segundos numa cadeira de balanço em constantes vai e vem. Com as mãos cruzadas, novelava continuamente os dedões; quando apartava as mãos e os dedões, era para puxar do bolso do blazer roto e enrugado comprado em brechó, o qual depositou quase que definitivamente no corpo, a carteira de charutos cubanos e por birra da falsificação mercante, encomendava-os rotineiramente de Havana, capital do resquício socialista.
Sabia de cor através das baforadas, que os charutos cubanos são considerados os melhores e mais originais no universo da nicotina refinada. Costumava defini-los como o benchmarking do que restara da divisão igualitária proposta por Karl Marx; o que deveras é o resultado de sementes selecionadas, solo e clima, únicos em relação aos fabricantes do restante do mundo. Era soltar uma baforada do mais puro tabaco que suas aspirações socialistas renovavam e no afã de completar o êxtase dos esquecidos pelo arraste do tempo, tragava-os numa linda pipa Cubana que também encomendara da ilha humanizada.
Liberando anéis de fumaça para o infinito, o Especialista andava meio encabulado com os valores exorbitantes impostos aos charutos vindos da terra de Fidel. Sem um pingo entusiasmo, uma vez que suas vistas embaçadas acompanham nos jornais e noticiários as mudanças, às quais Cuba estava passando e para ele, além da queda do ultimo pilar do socialismo Stalinista, o reflexo recairá em seu profano prazer, sobretudo nos preços de sua libido fumegante. Para sua infelicidade e desprazer, a última remessa veio com o selo e as inscrições em Inglês.
- Miseráveis! Não queria de forma nenhuma alimentar o mal do mundo que é o capitalismo, mas entre ficar sem a minha ejaculação precoce e os dólares na canastra, prefiro engordar esses crápulas.
Estava ele no mesmo ápice de divagação, quando o jornaleiro soprou o apito e deixou o jornal numa fresta do portão de madeira mal lubrificado. Ler aquele único jornal circulante no país já não satisfazia seus instintos humanos, pois berrava para o mundo inteiro ouvir que, além de frases prontas e notícias manipuladas, o periódico havia sido entregue à mídia americana. Em meio à descrença e o ócio, envergado, meteu o chapéu panamá na cabeça e a bengala e caminhou até o portão. Sem muitas esperanças e convicções de que algo novo pudesse revitalizar seus sentimentos, desenrolou o jornal e na página principal a notícia: “Presidenta do Brasil virá à Cuba para inaugurar o Porto Mariel”.
- Yo no creo! Nuestra Madre del socialiasmo moderno viene en Cuba. Arriba muchacha!
Aquilo aguçou a curiosidade do Charuteiro senhor que foi logo à pagina indicada. Varreu detidamente a notícia, fez a releitura e sentiu-se imensamente surpreso que depois de quase 50 anos, os aliados pudessem reatar as alianças, que uniu os adeptos pela cor vermelha, foice e o martelo do socialismo. Pensou: “Os companheiros e camaradas estão voltando à luta. Será que vamos reviver uma nova revolução, para isto temos que tornar o Che uma fênix e ressuscitá-los das cinzas”.
A matéria sobre a visita da Presidenta, também enfocava os motivos do patriarca Lula ter perdido o dedo mínimo. Relatava que o acontecimento se dera numa touceira de cana, a qual segurava-a com um braço e com o outro, açoitava com uma foice amoladíssima a moita e no afã de produzir mais e mais para auxiliar no sustento da família, aconteceu o pior: o toco do dedo mindinho da mão que segurava a touça voou os ares.
- Agora está explicado o porquê da foice e do martelo. Ferramentas de luta e sobrevivência na área rural. Tomara que não faça parte da sobrevivência urbana, embora que o martelo tem tudo para ser o escudo do capitalismo.
Daquele momento em diante, o Lord sentia prazer redobrado em abrir uma carteira de charutos e afogar seus desencantos numa sequencia inveterada de nicotina enfumaçada. À cada tragada puxada pela boca e delicadamente filtrada pelos pulmões, notava o alívio em imaginar que os mandos americanos teriam limites sobre Cuba. A completude para sua premissa viera com os acordos firmados entre os Presidentes para o envio de médicos Cubanos para o Brasil, cuja finalidade era suprir a demanda de médicos nos confins das terras tupiniquins. Essa relação amigável traria saúde para o povo Brasileiro e divisas monetárias para o governo Cubano.
- No sé lo que es peor: si es quedar sin el puro Cubano, o si es quedar sin salud.
Sentado no divã do vai e vem da cadeira de balanço, sufocado pela nicotina do socialismo de tempos perdidos e ruminando ideais novelados pelos polegares, pôs-se a escrever. Em seus apontamentos, agradecia a Presidente do Brasil pelos investimentos feitos em Cuba e que nutria profunda admiração por ela ser mulher e estar no posto em que está: que é ser representante máximo de um poderio econômico como o Brasil. Fez questão de mencionar que somente um Presidente transparente poderia se impor diante os EUA, exigindo liberdade e fim do embargo aos Cubanos. Finalizou indagando a Presidente, se os médicos enviados não estavam cumprindo com as ordens estabelecidas nos acordos e regimentos firmados, porque as matérias publicadas no periódico local, diziam sobre a falta de pagamento (BC: Bolsa Cubana) regular ao governo Cubano, o que comprometia e muito, as finanças do país. “Mi espléndido sueño Presidente, es saber que las inversiones de los compañeros están siendo utilizados plenamente en la producción de tabaco, que es la materia prima del puro y benevolente producto cubano; porque buena e rigurosa salud tenemos en los hospitales y centros de salud. Felicitaciones y saludos de Lord Charuteiro!"
Terminado a escrita, consultou os polegares e estes, sem titubear responderam afirmativamente, dizendo que a carta deveria ser postada e que o único empecilho era a greve dos Correios Cubanos por falta de envio da BC; e enviar por e-mail seria impossível, pois, os EUA promovendo o embargo nos meios de comunicação, haviam cortado a internet no país inteiro por falta de pagamento.
Anos passados. Enquanto não recebe a resposta do Itamarati e movido pela passividade da crise existencial a qual fora acometido, analisa friamente o capital estrangeiro que está sendo despejado aos montes no país: “Fora os EUA, quem mais são os interessados nessa ilha de tesouros retirados da terra? A realidade é que caloteiro que dá calote em caloteiro, tem direito a toda produção do genuinamente charuto cubano. Aproveitando a ocasião, saciarei a minha volúpia nicotinada sem pagar um centavo de dólar ou real por ela. Uniremos los José Genuino y Dirció e o mais puro tabaco à la corrupción de las produciones y ventas; isso lógico, en cuanto la incorruptible muerte não nos separar: eu de mim mesmo, de los compañeros e o mais sofrível: todos nós, da enrustida corrupção filiada aos anéis de fumaça dos tradicionais e imbatíveis charutos cubanos”.