VIDA DUQUECAXIENSE

A infância dura pouco nos bairros periféricos de Duque de Caxias. Sobretudo a infância feminina. Quem hoje caminha entre as ruas encardidas e miseráveis desses bairros governados pela marginalidade sabe disso. As meninas de entre dez e treze anos que transitam soltas, expondo as coxinhas tenras que sobram em mini-shortes, em menos de cinco anos estarão sentadas no meio-fio, com expressões gastas, segurando bebês desnutridos. Exatamente como estão as senhoras precoces, envelhecidas na flor-da-idade, que as observam sabendo o que terão pela frente.Engravidam essas meninas os garotos de rua, os aviõezinhos do tráfico, os chefões, os comerciantes, políticos e policiais inescrupulosos. Alguns as iludem por algum tempo com carros, roupas caras, calçados, moradias de luxo provisórias e alguns programas. Depois as deixam por outras às quais espremerão também até as últimas gotas. Tantos outros nem isso proporcionam. O resto é fome, decepção, abandono. Vidas inteiras desperdiçadas e sem qualquer perspectiva de um futuro digno, feliz ou pelo menos razoável.Por estes dias, as fachadas dos barracos dessa gente amarga exibem galhardetes de candidatos a cargos políticos. Candidatos que prometem creches, hospitais decentes, ensino de qualidade, criação de empregos, combate ao tráfico e fartos cursos profissionalizantes. Tudo que as tais comunidades continuarão esperando enquanto seus meninos e meninas, por falta dessas realizações morrem abruptamente ou vivem na miséria, na prostituição, na delinqüência, no submundo a que são relegados. Quando eleitos esses políticos cuidam de si e dos seus, enganam os estômagos de alguns famintos por breve tempo, asfaltam precariamente algumas as ruas principais (sem sanear), e pronto. Logo viram poeira. Saem de cena.Em um todo, é assim que se vive nos bairros periféricos de Duque de Caxias. É assim também nas periferias e grandes centros de todo o Brasil real, mas os bairros a que me atenho estão diante dos meus olhos. Meus pés conhecem suas ruas, seus becos, entranhas e servidões. Gente que amo está lá dentro, sofrendo na pele os efeitos do eterno descaso do poder constituído que agora é sócio da bandidagem, do poder paralelo multiplicador de violência e miséria. Realidade conveniente aos que se elegem prometendo combatê-la.Será sempre inútil que me mostrem o corpo aparentemente sadio de uma cidade na qual realizam maquiagens. Conheço perfeitamente o organismo dessa cidade. Duque de Caxias é um município multi-enfermo, cujas patologias não são tratadas. Tem tumores malignos e só recebe analgésicos, ao invés do que se faz de fato necessário, definitivo e urgente. Sobretudo nos bairros periféricos, a vida é supérflua. É artigo de luxo. Jóia rara, em Duque de Caxias.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 11/06/2007
Código do texto: T522555
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.