ODE À PREGUIÇA

Respeito a Igreja Católica, mas a inclusão da “preguiça” entre os pecados capitais precisa ser corretamente compreendida: a preguiça pecaminosa é aquela correspondente à negligência, à omissão, ao desleixo, à inatividade radical e nociva. Também acho condenável quem cumpre compromisso ou trabalha com indolência. A boa preguiça, que talvez o Doutor Leonel Brizola chamasse de “preguiça morena”, não tem preço. Só a criticam os que não a podem ou sabem usufruir. Meu velho pai me chamava às vezes de preguiçoso e dizia que eu me parecia mais com a família materna do lado Ghisoni, livrando seus genes da responsabilidade. O pai realmente era um homem muito ativo, prestativo, devotado, às vezes estoico. Não herdei esta carga, por sorte. Ele tinha, portanto, forte dose de razão e não o contestava energicamente neste item. Sou mesmo de outra escola, independentemente destas questões biológicas de parecer-se mais com o tronco A ou B, pois defeitos e virtudes repartem-se na balança da gênese e da evolução existencial. Acreditei convictamente que a boa preguiça era e é a alma do prazer, na esteira do que afirmam grandes pensadores. Cultivei-a sempre que pude. Por isto, jamais participei de campings, sobrevivência na selva, trilhas e esportes radicais, não fui escoteiro e nem prestei serviço militar. Igualmente, jamais fiz excursões ao exterior, em que, no prazo de 20 ou mais dias, sei lá, a gente visita 8 países e 15 cidades, acordando na hora mais tenra, arrumando malas, trocando de hotéis e dormindo cedo, tipo gincana. Não é minha praia, mas respeito muito os que curtem. Sim, sou preguiçoso e adoro a vida mansa, confortável, a bendita letargia, o tempo livre e a contemplação. Gosto de caminhar, eventualmente, mas não me venham com programas rígidos de academias de ginástica. Esportes, estou fora. Gosto de certas atividades, mas não me falem mais em compromissos de trabalho, horários, prazos, deliberações superiores e outras liturgias a que os mais jovens têm mesmo de se submeter com naturalidade, como já fiz para ganhar a vida. Passou, graças a Deus. Não me falem também em deslocamentos ao litoral, no verão, nas sextas à tardinha, com retorno no domingo à noite. Já faço algo parecido para ir a Gramado, pois minha mulher trabalha, mas faço quando convém e o estresse é bem menor. Costumo evitar filas, aglomerações, trânsito intenso. Não vou a shows ou a estádios de futebol, que já frequentei. Ao natural já sou agitado, mas domino o impulso: quero tudo sem muita pressa. Procuro evitar pessoas estressadas, mais ansiosas do que eu. Para me divertir, não sou obrigado a sair de casa e ser mal atendido em locais tradicionais ou VIPs de entretenimento, embora eventualmente vá. Reuniões de família ou com os amigos são o ápice do prazer social, mas que não sejam a toda hora, com horários rigorosos, regras ou compromissos. Tudo deve fluir com espírito leve, ainda que contratempos e certa disciplina sejam inevitáveis. Este, enfim, é o núcleo filosófico de uma proposta saudável de preguiça e descontração a que me apego. Já houve época em que fui ativíssimo, elétrico, trabalhando de manhã, de tarde e à noite, e confesso que não sofri. Afinal, sabia que aquilo não duraria para sempre. Hoje, críticas não me abalam e prestigio um ritmo de vida dentro de um quadro geral preguiçoso, pois, afinal, paguei por isto. Meu pai enganou-se: sou provavelmente bem mais comodista que os Ghisoni - que tiveram de emigrar da região de Milano, onde havia pouco pão e nenhum circo, para virem comer o pão que o diabo amassou neste Novo Mundo selvagem. Agradeço penhoradamente a essa boa e corajosa gente.