UMA CADELA ENTRE NÓS

Vou escrever sobre meus cachorrinhos Poodle. Bidu, quase seis anos, veio no pacote da Andrea, quando decidimos coabitar. Foi criado em regime de guarda compartilhada entre meus cunhados e Andrea, que moravam no mesmo apartamento e é um cachorro torrense, como, de resto, os outros de quem falarei. Quando tinha um ano, numa visita a casa do pai de Andrea em Torres, mal o carro fora desligado, saltou pela janela e, tomado loucamente por canina paixão, fez amor com Baby. Baby, com dois anos a mais, era uma Poodle criada em pátio e pertencia à secretária do dono da casa. Desse romance praieiro, Baby engravidou e pariu uma ninhada de quatro, sendo que três acabaram morrendo. Numa de nossas visitas a Torres, encantou-nos um filhotinho esperto e peludinho, com quase dois meses. Como eu já tinhaacolhido Bidu, fiquei cogitando de adotá-lo, mas achei um absurdo manter dois cães dentro de apartamento novinho e decorado com cuidado, em que vivemos, eu, a mulher e Gabriel, meu enteado. Alguns dias após – era dia dos namorados – Andrea me surpreende com aquela bolinha peluda, sujinha e assustada, que acabamos chamando de Chopinho. O tempo passou, hoje Chopinho tem 4 anos e continua alegre, bobinho e palhaço, ao contrário do “Doutor” Bidu, que tem certo ar de seriedade, ainda que muito afetivo e dócil. Mas a saga não parou por aí. Recentemente, numa das visitas a seu pai, Andrea apareceu-me com a Baby. Sim, a ex-esposa de Bidu, mãe de Chopinho, Agora com oito anos, cega de um olho e com mínimo de visão no outro, ouvidos muito infeccionados, pelagem detonada pela intempérie e pela vida livre. Baby, há algum tempo, caiu dentro do rio Mampituba, que passa rente ao jardim da casa em que morava, e conseguiu sobreviver a duras penas, heroicamente, tendo sido encontrada longe de casa, dois dias depois. Aliás, foi a segunda vez que se salvou da correnteza fluvial poderosa. Eu já ficara impressionado com sua carência afetiva: não desgrudou de mim, quase que suplicando carinho, quando lá estive há não muito tempo. Sua dona, diga-se, queria nos dar o bichinho, mas resisti bravamente, na ocasião, assustado com as dificuldades de convívio com a matilha num apartamento de cidade e com o investimento que a cadelinha realmente demanda. Mas, vocês sabem como é, a Andrea ficou com pena e, quando lá voltou de carona com o irmão para uma visita ao pai, pegou a cadelinha e apareceu-me com Baby - carente, afetiva, desorientada - e eu me derreti. Como meu sogro faleceu recentemente, não há mais alternativa, a cadelinha é nossa, por todos os títulos. O fantástico é que aqui no prédio fui notificado de que minha mulher não conduzia os cachorrinhos na guia para passear: em pleno século XXI, desconhecem que pouco vale a literalidade das convenções condominiais em face do Direito Civil, dos Direitos Universais dos Animais e da Constituição Federal, eis que tudo deve guiar-se pelo bom senso: pequenos animais de estimação, sob supervisão direta dos donos, não são bichos ferozes que ameaçam e necessitem de amarras. Mas este já é outro papo. Portanto, a família canina inteira, agora, está aqui reunida, fazendo o mobiliário sofrer, dando trabalho, mas levantando sempre o astral.