INSTANTES APRISIONADOS PARA SEMPRE


Um domingo de Páscoa. Por si mesmo especial pela celebração da Vida- VIDA NOVA -, que, por nós, o Salvador, na Cruz, nos deu. Eis por que anunciar o amor de Deus é muito importante. Não interessa a forma. Não importa onde? Como? E, para tentar a renovação da minha própria vida – tão silente, mas sem feridas abertas, pois as tenho coberto por orações – fui à varanda, quando os passarinhos, alegres, já voltavam ao lar das árvores que ladeiam a rua.
Dizem que a visão não retém só a imagem. A imagem é um modo de presença, que, segundo os entendidos, pode suprir a realidade,captando, para nós , o próprio objeto ou a pessoa, entre o instante que se vê e o que fica. Por isso, independente de religião – precisamos de um coração que saiba amar e reconhecer Jesus em todos os instantes.
Gostaria de ter a inspiração e tantos e tantos Companheiros. Mas, não tenho. Escrevo... Escrevo. Mal me debrucei para ver a rua, percebi uma imagem de amor única, mesmo que muitos anos ainda consiga transpor, a qualidade do afeto que presenciei perpetuou-se. Aprisionei-a na alteridade estranha das coisas e dos homens. Um desenho perene na arte de ver o mundo. Por isso, Senhor, sei que só Tu, com o Teu Amor, a tudo podes salvar.
Uma senhora, que, ao que sei, tem mais de 95 anos, tinha ido almoçar na casa da família e, naquele momento, saía do automóvel, ajudada por duas pessoas, que, embora não saiba quem são, abriam todo o seu coração com um só propósito: ampará-la nos vacilantes passos que faz questão de dar, posto que, ainda que muito idosa, está lúcida e quer de andar, com ajuda de instrumento próprio e das pessoas especiais que dela cuidam.
Não sei de onde tira a força para dar cada passo, que não cronometrei, mas que demoram de um para o outro – mais do metade de meia hora, sem uma palavra de impaciência de ninguém. Ela – um pinquinho de gente, magrinha – no entanto, sorri, aceitando a ajuda. A subida da pequena diferença entre a superfície e da rua foi a maior aventura para ela, naquele dia. Nenhuma reclamação. É vida. A mudança não vem de fora para dentro. Aquela senhora foi a protagonista de algo belíssimo. Mas, como a felicidade não vem com código de barras, ela precisou daquela moça e do rapaz que a acompanharam. Dentro dela, só havia uma certeza: andar. Dar ainda passos. Sentir-se capaz de galgar a “montanha” do portão.
Bem sei que em um hora qualquer, aquele coração parará. Mas, ela já está imune ao tempo, vivendo a verdade de Deus. Ela não morrerá para o mundo. Resiste e colide com os obstáculos, mesmo sabendo que os seus impulsos têm limites: quer ficar de pé. Talvez, como Jesus, que - várias vezes – se levantou. Os passos dessa senhora podem ser os seus últimos. Não importa. O enlevo com que sorriu era um raio de sol ao entardecer.
Assim, coração, não posso deixar de fazer um paralelo fascinante entre os primeiros passos, abrindo a porta do destino, que um dia, cheio de hesitação, meu filho deu atravessando o pequeno espaço de uma sala e, em riso profuso, caiu nos meus braços, e, sem dúvida, o finito caminhar dessa senhora.
Nenhuma das imagens jamais será obscurecida ou esfumaçada pela ação do tempo em minha mente. Nunca distorcidas. Imagens amadas e pungentes. Meu filho, em sua descoberta recente, inscrevia-se como caminhante na estrada da vida, aprisionando a doce ronda da vida da criança capaz de atingir a estrutura que a sustém. Em um instante, ele apreendeu um novo mundo: andar. A senhora, enquanto ainda pode, saboreia o que restou.
Há, contudo, entre ambos uma dupla relação: uma pura linha entre o fato de ser de um modo incipiente e o desenho já delineado pelo fato de ter sido. Esses momentos, tão distantes no tempo, são, paradoxalmente, contíguos, na aparência, na fisionomia. No processo de andar.
A aparência – desde que vira imagem consola . Por isso, mesmo não me tendo sido dado o privilégio de ver os primeiros passos do meu pequeno neto, espero em Deus que sua estrada esteja preparada com a força daquela senhora - quase centenária. Tudo virá a seu tempo. Não vi os seus primeiros passos. Porém, o que se imagina é dado e construído. Conheces , Senhor, todo o meu pranto e a ausência que – só por vós é preenchida. Por isso confio: um dia, não importa onde eu esteja, o verei com a mesma força e alento desafiar as pedras que tiver de suplantar. Só a imagem - em minha mente – já é vida para mim.




 
Luandro
Enviado por Luandro em 10/04/2015
Reeditado em 01/07/2015
Código do texto: T5201930
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