"IMPACIÊNcegueira"
A sala transpirava.
O ventilador era um monstro ronronante...
Desanimador, sobre a estranha mistura de tipos naquele gabinete de produção para o programa de variedades mais popular da TV.
Palhaços, engolidores dos mais incríveis objetos, mulheres barbadas, contorcionistas, mágicos, malabaristas...
Amadores e profissionais.
Anõezinhos diversos, pra mais de sete e sem Branca de Neve.
Da janela escancarada, o som surdo da rua aumentava ainda mais a irritação do auxiliar de produção...
E a expectativa dos candidatos à mediocridade semanal.
Era difícil aparecer um número interessante, o público daquele programa classe C não exigia muito, mas, mesmo assim, o animador, também o dono do sistema de TV, queria sempre algo de novo e aí choviam as broncas.
A fila de "artistas penados" minhocava em círculo lento pela sala.
A mocinha funcionária ia tomando os dados de cada um para a programação, sonhando, quem sabe, ser algum dia uma estrela reluzente pulando para a fama (até agora só pulara para a cama do dono da espelunca).
Lá pelas tantas da fila, surgiu um tipo comum, sem fantasia...
(quase todos estavam fantasiados com seus melhores trapos),
melancólico e desnutrido.
– O que faz o senhor? gritou o aprendiz de produtor.
– IMITO passarinho, respondeu humildemente o candidato.
– Ora essa, meu amigo, imitador de passarinho...
Isso é o que dá mais por aqui!.
É o tipo de habilidade idiota que o chefe não quer nem ouvir falar!
Todo mundo nessa cidade imita passarinho!
É araponga, sabiá, tico-tico. Chega de passarinho!
– Mas eu IMITO passarinho, balbuciou timidamente o homem.
– Eu não quero mais saber de seus "predicados".
Olha só o tamanho da fila!
O senhor está tomando o meu tempo. Dá o fora! Dá o fora!
O homem,
desolado,
afastou-se
da mesa
do produtor,
aproximou-se
da janela aberta...
e saiu avoando.
(*) Do texto de Miguel Coelho, em homenagem a Bertold Brecht, sob o título "O Homem que imitva passarinho".