É Preciso Perder Para Dar Valor

O sol já estava indo embora, fazendo os pássaros saírem em revoada em busca de uma morada por mais aquela noite, e as luzes dos postes já começavam a se acender. Depois de um dia de trabalho pesado, estavam sentados em um banco de ônibus na periferia de uma pequena cidade ao sul, já cansados das mesmas rotinas. Dois homens, um de meia idade e outro já avançava os oitenta e tantos anos, estavam parados, observando a paisagem, sem nada para fazer. Os dois trabalhavam juntos em uma construção de uma casa logo na esquina atravessando a praça.

- Por que tem que ser assim? – O senhor mais velho pergunta ao outro – Pessoas se matam, se rebelam. Se não bastasse… O mundo tão perdido.

E mesmo já acabando mais um dia, naquela cidadezinha não diminuíra o trânsito de pessoas em passos acelerados, indo e vindo de todos os destinos. Não teriam tempo nem ao menos de responderem que horas são.

- Mas por quê o senhor se preocupa tanto com essas coisas? – Retruca o outro sem entender onde o idoso desejava chegar.

- Já tive meus filhos, que já tiveram seus filhos, que são meus netos. Mas continuo sem entender… Por que Deus levou embora minha única mulher, tão jovem, acabara de dar a luz ao nosso terceiro filho, tão forte, se dedicava tanto a família…

O outro homem impaciente, não sabia o que responder, desconhecia aquele acontecimento da vida do colega. Na busca de tentar encontrar a resposta lembrou que sua esposa aguardava ansiosa por sua chegada com seu filho que acabara de completar dez meses semana passada. Ele não imaginaria sua vida sem ela.

- Sinto muito pela sua esposa, mas certas coisas acontecem porque Deus está nos colocando em prova, muitas vezes é preciso perder para que possamos dar valor.

Logo em seguida o homem de meia idade por ser mais astuto avista o último ônibus daquela noite à distância, certifica-se se está com a passagem, e em seguida o ônibus para, e o senhor embarca, eles sabiam que seria uma longa viagem, mas o homem mais jovem se recusa a embarcar. Olhando para o lado, avista um cão farejando um lixo, com uma das patas machucadas. Se aproxima e entrega o pão recheado com carne moída, o qual foi preparado por sua esposa e serviria como jantar até chegar em casa. O cão não reluta, de tão faminto devora tudo rapidamente em fração de segundos, tempo o suficiente para o ônibus fechar suas portas e seguir viagem.

- Nãão – O homem violentamente saiu correndo, sem obter qualquer resultado, o ônibus já estava longe demais. – Senhor por que me abandonastes?

Ao exclamar a pergunta de forma tão furiosa se lembra do que ele mesmo disse ao velho homem que aguardava o ônibus com ele. E naquela noite teria perdido seu jantar, seu ônibus, e o aconchego de sua casa, teria de dormir ao relento. Mas no fundo sentia-se bem, pois sabia que teria feito a escolha certa, gostava muito de cachorros e aquele seria mais um membro de sua pequena família.

No dia seguinte, fora acordado com lambidas na bochecha de seu mais novo amigo cachorro, abriu os olhos e estava sentindo todo o corpo remoído por dormir no banco duro. Aguardou o primeiro ônibus a espera se seu colega de trabalho, mas tivera apenas a noticia que o motorista de um outro ônibus dera:

- Sinto dizer, mas o último ônibus que estava indo sentido a cidade vizinha derrapou na pista e caiu na ribanceira… Ninguém sobreviveu.

Olhando para o céu azul turquesa pensou que seu colega perdera a vida para reencontrar com a esposa junto de Deus.

Suspirou lentamente e disse em voz suave:

- Perdi o ônibus, perdi meu jantar, o aconchego de meu lar, mas ganhei minha vida e um cachorro.

Leticia de Faria Trindade
Enviado por Leticia de Faria Trindade em 11/03/2015
Reeditado em 23/02/2017
Código do texto: T5165728
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