UM POUCO SOBRE PARIS
Meu amigo desde 1967, o parisiense Gérard Bony, casado com Martine, enviou-me gentilmente alguns livros. Ele estava especialmente focado no livro TRISTES TROPIQUES, de Claude Lévi-Strauss, que lera há pouco tempo. Agradeci naturalmente e perguntei ao Gérard se ele não lembrava que eu tivera aulas com Lévi-Strauss, Henri Lefebvre e Raymond Aron, monstros sagrados da cultura ocidental, quando frequentei a École Pratique de Hautes Études - a célebre SciencPo de Paris - como AUDITEUR LIBRE, em 1967. Sim, eu era um piá inexpressivo e metido de 20 anos, mas tive acesso, inclusive, a papos pessoais sobre banalidades nas aulas de alta especialização desses renomados Mestres e curti demais. Já havia lido várias passagens dos Tristes Tropiques, portanto, o que Gérard hoje descobria, pra mim era passado longínquo. Quando, por email, procurei relembrar estes acontecimentos a ele, respondeu-me que não sabia que eu havia chegado a tanto ou não lembrava. Aliás, Gérard, em anotações à margem do texto do livro (glosas) resolveu explicar-me o que era a Salle Playel à Paris. Respondi-lhe que foi na Salle Playel que assisti a concertos de jazz do David Brubeck, assim como a uma das apresentações do LEAVING THEATER, PHAEDRA, que inaugurava um modo teatral revolucionário, que causou escândalo à época, com os atores percorrendo a plateia e xingando eventualmente os espectadores, sendo que alguns retiravam-se, indignados. Lembrei-lhe, também, que assisti a JAMES BROWN no Olympia, o novo jazz deTelonius Monck e Archie Shepp no Caveau des Oubliettes, aos grandes filmes da Cinemathèque du Palais de Chaillot e daquele muito bem frequentado Drugstore (ou coisa do gênero, meio shopping da época) da Champs-Élisées, inclusive filmes brasileiros badalados em Cannes. Lembrei-o que assisti a várias peças de Molière, na Comédie Française, e que, com parceiros do Brasil, dentre os quais Marco Aurélio Garcia, assessor de assuntos internacionais de Lula e Dilma, estive presente numa grande Reunião da Quarta Internacional. Achei oportuno relembrá-lo que cursei por de dois meses e meio a Aliança Francesa de Paris e que dei aulas particulares de Língua e Civilização Brasileiras por mais de mês a vários alunos, que captava na própria Aliança Francesa. Gérard não se lembrava de muita coisa, ou nem mesmo sabia, pois várias atividades eu empreendi antes de conhece-lo. O que Gérard gravara com mais nitidez foi o tempo em que trabalhei como auxiliar de cozinha no MÉXICO LINDO, boate, aliás, citada por Vargas Llosa, no Travessuras da Menina Má. Meu amigo se disse impressionado, inclusive porque me conheceu num bistrot frequentado por sul-americanos, africanos e exilados políticos, num momento especial de absoluta dureza, quando lutava pela sobrevivência diária. Disse-lhe que meus seis meses em Paris foram assim, disputando espaço e esperança e que ele estava, à época, muito focado em seu trabalho e em outros assuntos particulares. Mas é preciso que eu diga, Gérard está sempre meio por fora. Fui eu que lhe mostrei, há poucos anos, que o Marais transformara-se no “point” de Paris, nos domingos à noitinha. Tive de suportar uma longa discussão com ele quando o convidei para comer “fondue” de queijo no Quartier Latin: ele ria de mim e dizia que “fondue de queijo” era coisa de suíço e que não se costumava comer em Paris: quando chegamos ao Quartier Latin ele caiu pra trás com a disputa comercial entre os restaurantes pelo “fondue” mais em conta. Quando eu o relembrei da viagem de uma semana que fiz, com mais três brasileiros que conheci na Aliança, num fusca preto, com margaridas coloridas desenhadas, até Bélgica, Alemanha e, finalmente, Dinamarca, rachando a gasolina, ele até ficou em dúvida se realmente me conhecera. Creio que, numa certa idade, a gente nem presta muito atenção no mundo do companheiro ao lado, sobretudo em tempos de tantos desafios a enfrentar e fantasias pendentes. Afinal, ele era o bom anfitrião e eu um penetra brasileiro nos anos loucos da Cidade Luz.