Um conto de fadas (Visitas a Füssen e Schwangau, Alemanha)

"Passou por perna de pato, depois, por perna de pinto; senhor rei mandou dizer que contasse cinco". Assim os contadores de história, no meu tempo de menino, concluíam suas narrativas. O mote servia para a pessoa indicada sequenciar os contos mirabolantes destinados a entreter a atenciosa plateia de pequeninos ouvintes.

O leitor com certeza já ouviu e contou a filhos e netos enredos envolvendo reis, rainhas, príncipes encantados, madrastas cruéis e bruxas malvadas. A literatura infantil é farta em histórias destinadas a acalentar as crianças, fazendo-as adormecer ou com a intenção de acalmá-las da hiperatividade.

Quem na infância não ouviu as impressionantes fábulas contadas pela vovó, com o objetivo de serenar o nosso ímpeto travesso? Quantos não sabem de cor as fantasiosas histórias narradas na literatura de cordel, como as aventuras do Pavão Misterioso e A Chegada de Lampião ao Inferno? Essa pergunta, se dirigida a cem nordestinos, seria respondida afirmativamente por quase todos.

Nesta oportunidade, serei eu o contador de histórias. Histórias reais. Literalmente. Narrarei visita na companhia de meu irmão, de sua mulher e de minha esposa à cidade de Füssen e à vila de Schwangau, na Alemanha, locais considerados autênticos “contos de fada”.

Füssen e Schwangau abrigaram em seus castelos medievais, reis, rainhas e príncipes. Por isso, as narrativas aqui expendidas são histórias reais, não apenas por serem verdadeiras, mas, por se referirem à realeza alemã de centenas de anos.

No dia 4 de novembro de 2014, deixamos temporariamente a cidade de Munique. Alugamos um automóvel de fabricação germânica e percorremos as maravilhosas estradas da Alemanha, de alta velocidade, construídas sob a égide da eficiência, da durabilidade, da funcionalidade e, sobretudo, da segurança oferecida aos motoristas que por elas trafegam, bem informados de seus destinos.

Os trechos sem limite de velocidade nas autobanhs não autorizam o motorista a descumprir as orientações amplamente sinalizadas em placas com advertências de segurança, redução de espaços, congestionamentos, indicação de distâncias entre localidades ao longo da via, inclusive atrações turísticas nas vizinhanças.

Vencemos os quilômetros com disciplinada rapidez. Em algumas oportunidades, fomos ultrapassados por veículos pesados e por automóveis de marcas famosas, como Audi, Mercedes, Porsches e Volkswagens, entre outras.

Dizem que o alemão gasta mais com carro do que com comida. Pode ser exagero, mas reconheço que dirigir um veículo confortável, seguro e de alto desempenho é uma tentação. Para os gordinhos como eu, talvez a ideia seja uma boa solução, pois evitaria o fracasso dos regimes alimentares descontinuados, provocando o efeito sanfona, condenado por especialistas.

O motorista do automóvel alugado para a agradável viagem às cidades de Füssen, Regensburg, Rotemburg, Heidelberg e Wurzburg foi o meu irmão Lairton. Facilitado pelas excelentes rodovias, fez o veículo deslizar suave e seguro, parando para descanso ou quando as necessidades físicas e alimentares se impunham.

Chegamos a Füssen no início da tarde do dia 4 de novembro de 2014. Temendo dificuldades para estacionar o carro no centro da cidade, ficamos a pouca distância de onde realizamos a visita. Deixamos o veículo em certa rua, depois de contar com a ajuda de um casal alemão que passava nas proximidades e nos instruiu na utilização da máquina coletora do valor a ser pago.

Na curta caminhada até o centro, ladeamos prédios residenciais de arquitetura típica da região, gramados verdejantes e árvores desfalcadas das folhagens subtraídas durante a estação outonal, que se preparava para ceder lugar ao inverno. As folhas secas esparramadas pelo leito das ruas esvoaçavam ao vento soprado como anúncio da iminente chegada do frio.

A região onde se encontra Füssen é uma das mais atraentes da Alemanha. A pequena comunidade está situada no distrito de Ostallgäu, no estado da Baviera, distando cinco quilômetros da Áustria e a pouca distância da Suíça. De lá, avista-se facilmente os Alpes.

Füssen detém um dos maiores complexos góticos do país. Por ter sido fundada na época medieval, possui construções antigas de grande atração turística. Não é por menos que a consideram um “conto de fadas”. Famosos castelos integram seu valioso acervo patrimonial.

Passeamos pelas centenárias ruas de Füssen, fotografamos prédios e lugares de destaque... Por último, alugamos um táxi e fomos à Schwangau, a fim de conhecer o famoso palácio Neuschanstein, edificado por Luís II da Baviera, conhecido por Ludovico, o Rei Louco, filho do rei Maximiliano II, a quem sucedeu no trono nos idos de 1864, aos 18 anos de idade.

O monarca tornou-se fervoroso admirador do compositor alemão Richard Wagner, após assistir, em 1861, a ópera romântica do autor, em três atos, denominada Lohengrin – o cavaleiro do cisne. Essa ópera estreou na Alemanha em 28 de agosto de 1850. Maravilhado, o rei tornou-se, como dizemos hoje em dia, fã incondicional de Wagner. Daí, passou a apoiá-lo financeiramente.

Lohengrin é um personagem da Idade Média, filho de Percival, cavaleiro da Távola Redonda, organização de valorosos homens condecorados com a mais alta ordem da cavalaria, na Corte do rei Arthur. A Távola Redonda consistia em uma mesa com esse formato, para não existir a possibilidade de um deles sentar-se à cabeceira. A intenção era propiciar a igualdade de todos os membros.

O modo de vida do rei Luís II tornou-se estranho. Afastou-se paulatinamente dos deveres do trono real e dos prazeres do cotidiano, para refugiar-se na solidão das montanhas, onde construiu os palácios Neuschwanstein, Linderhof e Herrenchiemsee. Por ter edificado esses fabulosos castelos, recebeu o epíteto de “rei de conto de fadas”.

O palácio Neuschwanstein fica próximo de Füssen e Schwangau, lugar onde Ludovico passou a infância. Seu nome significa “novo cisne de pedra”, em homenagem a ópera de Wagner. Trata-se de edificação majestosa, com torres pontiagudas, iniciada em 1869. Ao final de dezessete anos de trabalho, portanto, em 1886, restaram concluídos apenas 14 dos 360 cômodos da obra de 6.000 mil metros quadrados, na qual se inspirou Walt Disney para construir o Castelo de Cinderela, no seu igualmente fantástico parque temático, nos Estados Unidos.

O castelo de Neuschwanstein somente foi terminado após a morte do rei, ocorrida em 13 de junho de 1886, data em que seu corpo foi encontrado no lago Starnberg, em circunstâncias duvidosas, depois de ser declarado incapaz para governar. O palácio foi transformado em museu após o falecimento de Sua Majestade, tornando-se um dos mais visitados da Europa.

Peço vênia ao leitor para discorrer sucintamente sobre algumas áreas desse colosso arquitetônico que é o Neuschwantein. Não tenho pretensões de pintá-lo em cores fantasiosas. A perfeição já lhe foi outorgada por seus mestres arquitetos, construtores e decoradores. Também, peço desculpas por não reproduzir fotografias do interior do palácio, tendo em vista não ser permitido.

As fotos externas testemunham nossa feliz visita a esse “conto de fadas”. Antes de descrevê-lo, direi como chegamos ao alto da montanha onde está edificado. A íngreme escalada pode ser percorrida a pé, por uma estrada de cascalho. Nessas condições, apenas pessoas jovens se aventuram a enfrentá-la, não sei se por desafio ou por economia. Subir acomodado em uma charrete puxada por dois vigorosos cavalos, como fizemos, custa, individualmente, seis euros na ida e quatro ao retornar.

Agora, relatarei sete dos principais aposentos do palácio Neuschwanstein. Começarei pela bem localizada Varanda com acesso à Sala do Trono, da qual se vislumbram montanhas e lagos da Baviera, onde a natureza mostrou-se generosa. Os montes estão revestidos da folhagem verde das árvores e o cimo das montanhas alpinas salpicados de neve.

Imagino o solitário monarca sentado em confortável poltrona, localizada naquele espaço singular, lendo livros de renomados autores de uma época fecunda. Os gênios desse passado genial nem de longe podem ser comparados às nulidades que povoam o mundo de hoje. Se confirmada a loucura atribuída por seus opositores, o rei, ao vislumbrar tão expressiva paisagem, talvez sentisse alento para os sintomas delirantes e persecutórios que lhe atormentavam.

A Sala do Trono foi concluída em 1886, ano da morte do rei Luís II. É edificada em mármore, em estilo bizantino, com piso e colunas revestidos de pedra branca com partículas escuras. A magnífica sala é ornamentada por esculturas e afrescos representando os doze Apóstolos. Os degraus brancos, de mármore de Carrara, conduzem ao trono de ouro e marfim. A figura de Cristo com Maria e o apóstolo João embelezam a cúpula, cuja parte inferior expõe as figuras dos reis Casimiro, Estevão, Henrique, Fernando, Eduardo e São Luís. Muito mais poderia eu descrever sobre esse ambiente de inspirada concepção, espaço e beleza ímpar, não fosse minha incapacidade descritiva e de memorização.

A Sala de Refeições é revestida de carvalho, madeira nobre oriunda de árvore nativa da Europa. O ambiente está decorado com móveis rica e belamente entalhados com históricas gravuras, além de telas de renomados artistas da época, os quais não economizaram nas tintas, nos pincéis e na criatividade para retratarem o poeta Wolfran von Eschenbach e o compositor Gottfried von Strassburg, o primeiro, autor das óperas Percival e Lohengrin e o outro, do drama Tristão e Isolda, mitos da Idade Média que viveram um amor trágico. No centro desse elegante cômodo, encontra-se uma mesa em bronze, revestida a ouro, com entalhes relativos ao Combate de Siegfried com o Dragão, ópera do compositor Richard Wagner, cuja estreia ocorreu em 16 de agosto de 1876.

O Quarto do Rei é abundantemente decorado. Catorze marceneiros trabalharam durante quatro anos e meio na confecção de móveis, portas, estrados e na cama do monarca. As telas expostas em locais vistosos referem-se às figuras míticas de Tristão e Isolda, personagens da dramatização da ópera de Wagner, datada de 1865 e apresentada pela primeira vez em Munique.

Vizinho ao quarto do rei foi construído um pequeno Oratório, local das suplicas do monarca ao Rei de todos os reis. A capela foi consagrada ao santo homônimo de Sua Majestade, São Luís, retratado por W. Hauschild em tela exposta no centro do ambiente. Os painéis de madeira do oratório são entalhados com motivações religiosas. A imagem de São Luís está reproduzida em vitral decorativo, exposto em uma das paredes do santuário.

O sexto aposento do palácio Neuschwanstein a que me propus relatar é o Quarto de Vestir, também forrado com painéis de carvalho e decorado com pinturas alusivas as óperas Tristão e Isolda e dos Mestres Cantores de Nuremberg, esta última considerada a mais popular do compositor Richard Wagner.

Finalmente, descrevo a Sala do Rei, designada Recanto do Cisne. O cômodo é magnificamente ornamentado, com revestimento de carvalho e entalhes figurativos atinentes às óperas de Wagner. Grandes painéis reproduzem cenas de outras óperas do autor, como o Milagre do Graal e A Chegada de Lohengrin a Antuérpia.

Os mitos constantes das óperas de Richard Wagner impressionaram sobremaneira o rei Luís II da Baviera. Ele se sentia como se fora o próprio “cavaleiro do cisne”, da ópera Lohengrin. Por isso, mandou decorar abundantemente o palácio de Neuschwanstein com tais motivações.

Não nos esforçamos para visitar pelo menos mais um palácio, o de Hohenschwangau, por exemplo, situado nas proximidades da bucólica vila de Schwangau, e que fora residência dos ancestrais do rei Ludovico. A hora avançava e temíamos que o nosso carro fosse guinchado pela fiscalização, em virtude de termos pago apenas duas horas de estacionamento. Se tal acontecesse, como faríamos para enfrentar as autoridades de trânsito, em um país estrangeiro?

Retornamos ao centro de Schwangau. Antes, porém, dedicamos alguns instantes a fotografar a parte externa do castelo, intencionando perpetuar nossa passagem por essa vila de sonhos.

Em seguida, fomos a Füssem, de táxi. Ao chegar ao estacionamento onde deixamos o carro, deparamos com uma multa de 25 euros, fixada no para-brisa. Eles tinham razão e foram até generosos, não bloqueando ou guinchando o veículo.

Não sei se o estimado leitor leu as crônicas anteriores, intituladas "Chá das Cinco" e "Ein Bier, Bitte!" (uma cerveja, por favor!). Nelas foram descritas nossas passagens por Londres e Munique, subsidiadas por informações e histórias de um passado cultural que vale a pena conhecer.

Caso tenha apreciado esta modesta narrativa, muito me honrará a leitura que fará das próximas crônicas, nas quais relatarei minhas visitas a Regensburg, Rotemburg, Heidelberg, Wurzburg e Frankfurt. Obrigado por sua atenção!