Pequenas divagações noturnas
Pequena coisa cheia de citações
de amores a Julia Iara. Outra vez
e sempre.
Era noite. A lua brilhava alta no céu, como uma linda bola prateada de papel de cigarro, ou como um satélite natural descrevendo ciclos elípticos diários em redor do planeta. Não importava a grandiloquência das comparações – havia poesia e paráfrase em ambas. O fato é que o satélite natural de papel de cigarro brilhava como se pela última vez, como se não viessem outros ciclos, outros passeios, outras inspirações místicas, poéticas, científicas – para que, meu Deus, para que tantas distinções?, perguntávamos.
Mas divagamos. Dizíamos que ela, a razão de ser dessa coisa toda, brilhava alta no céu – e como brilhava! Como não fosse haver outra noite, seguida de outro dia de invisível, porém persistente, existir. De tal forma brilhava que entrou pela janela (que, de todo modo, sempre esteve aberta para recebê-la), invadiu o quarto e acendeu todas as coisas de azul e prata. As silhuetas se alongaram, como se em plena fuga, e foram se unir ao negrume de veludo adiante.
O azul tornou insignificante o vermelho em brasa do cigarro que fumávamos – um convite vão a assim chamada inspiração, se a prosa nos perdoa a rima involuntária.
O azul tingiu até – o mais incrível dos feitos! – o branco leitoso e vazio da pele/folha de papel, tornando-o belo, profundo, misterioso, pleno de sutilezas e significados.
O azul beijou nossos lábios, entrou-nos pela boca, exigiu espaço em nossos corações. Ali, perturbou velhos conceitos e antiquíssimas certezas. Fez-nos desejar estar nus e embriagados sob o céu; desejar chorar por cada poro e orifício, e perguntar por que as coisas são como são. Não o fizemos. Havia, então e sempre, uma realidade bem mais palpável lá fora, tão bela e cruel quanto todas essas divagações noturnas. De modo que contentamo-nos com a pequena alegria de preencher de azul a frustrante brancura do constante.
Naquela noite, não dormimos. A insônia, velha amiga (“imutáveis, somos um par”), entrara também pela janela. Mas não nos importamos. Fomos, naquela noite, mais um grato par de amantes desta sedutora volúvel que é a lua.
Marx também não deixou de lado a subjetividade humana – ali estão, na prateleira, dezenas de livros que, embora não lidos e empoeirados, prometem prová-lo com requintes filosóficos e citações bem feitas segundo as normas da ABNT. Publique-se! – não é o que diz a academia?