DORMINDO COM O INIMIGO

Um pessoa devia bastar-se por si própria.

É um conforto biológico fundamental à sanidade humana, logo que, logicamente, por muitas vezes estaremos sozinhos na caminhada, ainda que cercado por outras pessoas. Isto incluí um relacionamento confuso, mas também inclui um novo projeto de vida pessoal que ninguém consegue aceitar.

Mas há um erro de lógica simples, encrustado nos becos menos visitados do instinto humano, que gera o impulso das pessoas, ao se verem sozinhas, correrem na direção oposta, desesperadamente. Não suportam se pegar sozinhas com seus próprios pensamentos, ou dúvidas. Dizem, assim, que precisam de outras pessoas, para aliviar suas próprias frustrações, para serem ouvidas sem contraposições, para estarem em paz. Me pergunto que tipo de paz é esta, já que agem como se tivessem medo de si próprias. É como se então, todas as noites, dormissem com o inimigo.

Sejamos sensatos, a internet, o Facebook e o WhatsApp não vieram para nos salvar deste vazio psicológico (sim, vazio, admita). A fuga é natural à dor, mas te colocará sempre como vítima, de costas para o perigo iminente (e, por que não dizer, eminente também). E deixando de enfrentar o que deve ser enfrentado, um zoológico incomum vai se formando, com monstros psicológicos sem rosto. Lembro-me de um artigo que falava algo parecido, sobre a morte do tédio, sobre o quanto entediar-se era importante para a reflexão interna, e te obrigava a desatar os nós que iam se fazendo.

É claro, quanto menos vezes você tira as roupas do armário para organizá-las, por mais que isto te aborreça, mais complicado será utilizar este armário (estou atrasado, onde está minha roupa do trabalho que não encontro, que roupa vou usar no fim de semana, estou congelando, onde está minha blusa de frio, quais roupas não cabem mais em mim...). Eu, particularmente, não consigo passar muito tempo sem meu armário em ordem, pois minha cabeça, parece, pára de funcionar.

Tenho conversado com muitas pessoas, amigos, não apenas jovens, sobre isto, e é incrível como esta fuga tem se tornado um remédio comum, que não necessita de prescrição. É como se as pessoas procurassem acabar com a gripe tomando remédios para dor de cabeça, que aliviam, mas não curam.

Talvez este seja o indício mais forte da síndrome social. O melhor, é claro, é que as pessoas pudessem caminhar na direção de si próprias, ter conversas duras com sua consciência momentos antes do sono, enfrentar, refletir, sofrer, e dormir. Não é fácil, com certeza, pois alguns minutos de admissão sobre a própria ignorância podem parecer séculos de luta interna, mas é só este exercício, de enfrentamento leal, que pode permitir a clareza que fornece cada tijolo da edificação pessoal.

Afinal, mais do que como inimigo, enxergo esta consciência complexa como uma criança que precisa de carinho e compreensão, que sempre se encontrará perdida no mundo, para cada novo momento da vida.

E isso, ninguém melhor pode resumir quanto Fernando Pessoa, quando diz que 'quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se na multidão.'

Só assim, talvez, as pessoas poderão encontrar o conforto de que necessitam, não batendo em portas alheias, mas dentro da própria morada.

Josadarck
Enviado por Josadarck em 16/12/2014
Código do texto: T5071567
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