A Deusa de Joaquim
— Alô! Deusa? Pois não.
— Ó Deusa, aqui é o Joaquim. Ainda se lembra de mim?
— Joaquim?
— Sim, o Joaquim. Ó Deusa, que emoção ouvir a sua voz, a mesma voz. Fomos namorados, quando você foi eleita Miss Delfinópolis.
— Nossa! Agora me lembro, mas isso já faz muito tempo. — disse Deusa, dando uma risada — Estamos desenterrando cadáver.
— Não, Deusa, tenho muitas saudades. Tudo que vivi com você permanece vivo. Fiquei sabendo de sua viuvez e queria fazer-lhe uma visita. Você me permite?
— Claro! Arrumarei uma mesa de quitandas como você gostava.
— Amanhã?
— Amanhã!
No dia seguinte, conforme o combinado, chegava o Joaquim à casa de Deusa. Esta, ao abrir a porta, deparou-se com aquele senhor idoso, cabelos bem grisalhos, um homem bastante judiado pelo tempo.
— “Que diferença fez o mocinho nestes quase cinquenta anos!” — pensou Deusa, mas nada falou.
Conversaram bastante. Joaquim falou de sua vida, de seu casamento, de seus filhos. De sua viuvez...
Deusa levou-o para a cozinha. A mesa já estava posta. Bolo e pão de queijo que ela sabia fazer tão bem! Café com leite quentinho, à moda mineira. Joaquim regalou-se, relembrando os velhos tempos.
A prosa já estava no final, quando Joaquim, antes de despedir-se, olhou bem para “sua” Deusa e declarou:
— Deusa, mas você envelheceu e ficou muito acabadinha!
Ela não perdeu o humor:
— Uai, Joaquim, e você, acha que está com tudo? O tempo passa para todos! Se eu envelheci, você tem se olhado no espelho? Ou esperava reencontrar a rainha da beleza, com cetro e coroa?
Joaquim foi embora para jamais voltar. Deusa retomou realista, como sempre foi, a sua rotina celestial. Ambos não lograram retornar ao tempo perdido — aquele tempo que Joaquim, na solidão, julgara intacto, cristalizado, à espera das suas ingênuas fantasias.