É ISSO O QUE ACONTECE
Imagino um mundo coberto pelo descanso. Um mundo cansado e a gente em cima desse mundo encostada à beira do sossego. Imagino um mundo sem pé nem cabeça, nem pé de amora, nem pé de valsa, nem pé de moleque, um mundo que só olha por dentro pra não ver o coração. Imagino um mundo raso, com a debilidade na ponta da língua, com um vaso de sorte na mão, um livro de apoio ao pé da mesa, um pingente de cabeceira, uma cabeça de alho num vértice do quarto, uma frase feita do outro lado da cabeceira, uma pessoa recolhida observando o horizonte da janela: a chuva passa, o vento passa, todas as previsões se põem cumpridas: o horizonte é largo demais para caber na janela, o imprevisível está na cabine de ninguém ver. Imagino um mundo fossilizado na sombra. Imagino um mundo inacabado ainda na pré-incipiência. Imagino um mundo pródigo e inábil. Imagino um mundo cru e que exalta o aroma do passado. Imagino um mundo pálido, quase sem atmosfera, cheio de pedras cadentes, cheio da escadaria bruta, cheio do colapso da angústia, do dorido do inexato, da impávida procura. Imagino o mundo prêmio pelo fato da existência. Imagino o mundo avesso à dobra do tempo. Imagino o mundo vago. Imagino. Pois é,
o que me vem do futuro
Senão quando alguém tropeça na história
Repete com raiva
Zomba da dislexia
Inventa que é, mas não deixa de ser
Contempla o sol por vanguarda
Quando alguém se esquece da gente
Quando alguém se vale da Veja
Quando alguém utiliza ampulheta
Quando alguém propõe a maldade
Quando alguém diz que é natureza
Quando é só um acaso.
O mundo que vejo é só um mundo que vejo e só. Não nos basta achar que jamais veremos um mundo à frente do mundo que temos em frente. Dê-me então o dever de opinar, e terá você o direito de ler – ou não ler, crer não crer, como quer querer você, assim como deve ser: depois quem opina é você, e o meu dever é manter a roda. O que nos sai da vida é só a saudade de alguém. O mais além é não perder as amizades, jamais ocultar os perigos, saber que o mundo é feito por bem mais que a gente. Portanto, aceite: o que vejo do mundo é o prego na sola do asfalto e os pés de bolha de sabão. Mundo sem pé nem cabeça. Mundo que cai no discurso de alguns, mundo que fica sem gente, gente que fica sem jeito de gente.
Taí, o mundo cobiçado:
– não é verdade que quase todo mundo acredita que um dia será rico?