O ROTO E O ESFARRAPADO
Ninguém reconhece em si
mesmo os defeitos dos outros
A estranha visita do Papa Bento XVI ao Brasil provocou reações também estranhas em vários níveis da sociedade brasileira. É compreensível. Diferente do papa pop João Paulo II, que atraía verdadeiras multidões, o atual atrai desconfiança e um certo desconforto. Tem a capacidade de cometer gafes em lote. Tem um sorriso que me lembra os cães antes da mordida. Em resumo, seria o último homem que eu escolheria para ser papa – mas não sou eu quem escolhe, e já deixei de ser católico há muito tempo.
A discussão surrealista a respeito do uso de camisinhas, em pleno terceiro milênio da era cristã é uma dessas estranhezas. Ao ameaçar políticos de excomunhão por apoiar o aborto, Bento XVI me faz perguntar: e os políticos corruptos, que matam milhares de pessoas todos os anos de fome e doença, desviando dinheiro de programas sociais e da saúde? E os políticos que chafurdam na marginalidade, trabalhando por interesses criminosos? E os políticos que prometem – inclua-se aí o nosso presidente – e descaradamente não cumprem?
Bento XVI é uma figura típica desses tempos de George Bush, Hugo Chaves, Evo Morales, em resumo, de lideranças que navegam entre o pífio e o destrutivo. Chego a pensar em incluir aí, também, o nosso presidente, que teima em fazer uma cruzada pela volta da censura, que avisa à Polícia Federal para “ir com calma” nas investigações, e coisas do gênero. O Papa é apenas mais um nesse mundo medíocre, que não saberia onde fica o Brasil se não fosse obrigado a uma visita diplomática a esta altura.
O problema é que vivemos em um tempo onde o roto está sempre falando do esfarrapado, onde, para usar palavras bíblicas, muita gente vê apenas o cisco no olhos nos outros, sem perceber a trave nos seus próprios olhos. Nesta semana, por exemplo, vi uma manchete insólita no não menos insólito jornal Folha Universal, mantido pela seita do mesmo nome. Dizia a publicação do bispo Macedo: “TV Globo vira igreja eletrônica”.
Se eu não tivesse a cabeça no lugar, pensaria estar vivendo em uma realidade paralela. Eu posso acusar a Globo disso, até porque perdi a corrida de Fórmula 1 no domingo para que fosse transmitida a missa de Bento XVI, mas a Igreja Universal não pode, não tem esse direito. Não pode porque é dona da Rede Record, um balcão de negócios religiosos do tipo “dê um dízimo e vá para o céu”, dona de uma infinidade de rádios por todo o país, que são verdadeiras igrejas eletrônicas.
E, nos dias de hoje, talvez apenas os monges tibetanos, entre os religiosos do mundo, pudessem fazer essa acusação, mas eles não estão nem um pouco interessados nisso. Todas as religiões, passando por islâmicos, hinduístas, protestantes de diversas denominações, judeus, até mesmo os espíritas e os cultos afro brasileiros têm sua igreja eletrônica. Faz parte do processo, uma “guerra santa” de tecnologia e informação que, como as Cruzadas, vai conduzir o mundo a um novo tempo de obscurantismo.
Não tenho dúvidas de que brandir bíblias e alcorões ao vento, gritando palavras de ordem contra o demônio, seja ele lá quem seja, não ajuda em nada a evolução do mundo. E, por incrível que pareça, até mesmo as propostas de ecumenismo surgidas na História recente sempre incorrem no mesmo erro, caso da LBV de Paiva Netto.
Quando Bento XVI de um lado e bispo Macedo de outro surgem como técnicos de times rivais em uma grande copa do mundo religiosa, com seus discursos cheios de versículos, me pergunto quem terá dado a esses livros escritos por mãos humanas (digo isso de todos os ditos “livros sagrados” que chegaram aos nossos tempos) o rótulo de “deus encadernado”? Como se tudo fosse verdade, apenas porque está lá ...
E para não ser apenas mais um roto falando dos esfarrapados, reconheço que toda essa reflexão pode ser apenas uma espécie de fundamentalismo anti-religioso de um homem que acredita em Deus, mas não acredita em “homens de Deus”.
Pelo menos, ainda me dou ao trabalho de refletir sobre isso.
Ninguém reconhece em si
mesmo os defeitos dos outros
A estranha visita do Papa Bento XVI ao Brasil provocou reações também estranhas em vários níveis da sociedade brasileira. É compreensível. Diferente do papa pop João Paulo II, que atraía verdadeiras multidões, o atual atrai desconfiança e um certo desconforto. Tem a capacidade de cometer gafes em lote. Tem um sorriso que me lembra os cães antes da mordida. Em resumo, seria o último homem que eu escolheria para ser papa – mas não sou eu quem escolhe, e já deixei de ser católico há muito tempo.
A discussão surrealista a respeito do uso de camisinhas, em pleno terceiro milênio da era cristã é uma dessas estranhezas. Ao ameaçar políticos de excomunhão por apoiar o aborto, Bento XVI me faz perguntar: e os políticos corruptos, que matam milhares de pessoas todos os anos de fome e doença, desviando dinheiro de programas sociais e da saúde? E os políticos que chafurdam na marginalidade, trabalhando por interesses criminosos? E os políticos que prometem – inclua-se aí o nosso presidente – e descaradamente não cumprem?
Bento XVI é uma figura típica desses tempos de George Bush, Hugo Chaves, Evo Morales, em resumo, de lideranças que navegam entre o pífio e o destrutivo. Chego a pensar em incluir aí, também, o nosso presidente, que teima em fazer uma cruzada pela volta da censura, que avisa à Polícia Federal para “ir com calma” nas investigações, e coisas do gênero. O Papa é apenas mais um nesse mundo medíocre, que não saberia onde fica o Brasil se não fosse obrigado a uma visita diplomática a esta altura.
O problema é que vivemos em um tempo onde o roto está sempre falando do esfarrapado, onde, para usar palavras bíblicas, muita gente vê apenas o cisco no olhos nos outros, sem perceber a trave nos seus próprios olhos. Nesta semana, por exemplo, vi uma manchete insólita no não menos insólito jornal Folha Universal, mantido pela seita do mesmo nome. Dizia a publicação do bispo Macedo: “TV Globo vira igreja eletrônica”.
Se eu não tivesse a cabeça no lugar, pensaria estar vivendo em uma realidade paralela. Eu posso acusar a Globo disso, até porque perdi a corrida de Fórmula 1 no domingo para que fosse transmitida a missa de Bento XVI, mas a Igreja Universal não pode, não tem esse direito. Não pode porque é dona da Rede Record, um balcão de negócios religiosos do tipo “dê um dízimo e vá para o céu”, dona de uma infinidade de rádios por todo o país, que são verdadeiras igrejas eletrônicas.
E, nos dias de hoje, talvez apenas os monges tibetanos, entre os religiosos do mundo, pudessem fazer essa acusação, mas eles não estão nem um pouco interessados nisso. Todas as religiões, passando por islâmicos, hinduístas, protestantes de diversas denominações, judeus, até mesmo os espíritas e os cultos afro brasileiros têm sua igreja eletrônica. Faz parte do processo, uma “guerra santa” de tecnologia e informação que, como as Cruzadas, vai conduzir o mundo a um novo tempo de obscurantismo.
Não tenho dúvidas de que brandir bíblias e alcorões ao vento, gritando palavras de ordem contra o demônio, seja ele lá quem seja, não ajuda em nada a evolução do mundo. E, por incrível que pareça, até mesmo as propostas de ecumenismo surgidas na História recente sempre incorrem no mesmo erro, caso da LBV de Paiva Netto.
Quando Bento XVI de um lado e bispo Macedo de outro surgem como técnicos de times rivais em uma grande copa do mundo religiosa, com seus discursos cheios de versículos, me pergunto quem terá dado a esses livros escritos por mãos humanas (digo isso de todos os ditos “livros sagrados” que chegaram aos nossos tempos) o rótulo de “deus encadernado”? Como se tudo fosse verdade, apenas porque está lá ...
E para não ser apenas mais um roto falando dos esfarrapados, reconheço que toda essa reflexão pode ser apenas uma espécie de fundamentalismo anti-religioso de um homem que acredita em Deus, mas não acredita em “homens de Deus”.
Pelo menos, ainda me dou ao trabalho de refletir sobre isso.