Ministério da Verdade

É assim que a democracia acabou.

Numa grande salva de palmas… E tiros.

Era verão, quente, infernal, quase não respirávamos mais ar puro.

Não conhecíamos mais o ar.

Era algo denso, dava pra desenhar no espaço quando era inverno, o ar parecia cinza, as vezes marrom. Em dias secos, assumia uma tonalidade verde, quase esmeralda quando olhava para o sol.

Buck caminhava, não era feliz nem triste. Era apenas mais um rapaz que assumiu a neutralidade para fugir dos conflitos da guerra civil que rodeava a juventude, que começou depois daquela eleição.

Haviam na época 3 grandes partidos. Prefiro não me atentar aos nomes aqui, eram eles os Verdes, os Claros, e os Cinzas, cada um com seu modo, cada um com sua forma e plataforma própria.

Os Verdes sempre foram minorias, eram brancos pobres, negros, deficientes. Em sua maioria usuários de álcool, que queriam a liberdade, pregavam o amor entre as espécies, sim, parecia loucura querer casar com uma cabra, mas eram os loucos que eram. Talvez na época fossem vistos assim, mas hoje, imagino que escolher uma porca como esposa não poderia ser ruim assim, afinal, você não era obrigado a nada.

Gritavam por direitos diferentes, quase um arco-íris de tantas coisas que diziam, eram até divertidos de se conversar, se não fosse o peculiar cheiro de estrume.

Os Claros se diziam superiores, quase nazistas perdidos no tempo. Claro que haviam algumas nuancias em seus dizeres, por exemplo extinguiram a ideia de superioridade de raças. A superioridade deles vinha do intelecto, do dinheiro mal lavado na maior parte das vezes, do glamour, das jóias caras. Lembravam velhos gangsters americanos em sua maioria pelo tom social e limpo de suas roupas. Era ditadores nas palavras, donos de uma verdade que eles julgavam absoluta. Controlavam das sombras, grande parte da cidade.

Não se podia ter meia hora de conversa sem ouvir um absurdo, acreditem.

Por ultimo, haviam os Cinzas.

Ah os Cinzas, esses eram os donos da popularidade, o dito “povão” gritava por eles o tempo todo, pediam por eles sempre, mas no fim, parecia tudo confete.

Se diziam revolucionários das ideias, sempre vinham com alguma novidade, não era raro serem engraçadas, como a vez que disseram que poderia ser permitido dirigir embriagado, antes da proibição, é lógico.

Eram charmosos a sua parte, quem mais levava o poder nessa parte eram as mulheres, libertárias, lindas, fortes, sempre pregando a igualdade social, pareciam anjos na terra falando, mas todo mundo sabia que elas eram pagas como garotas de palco para falar aquele monte de textos decorados. Quem mandava mesmo na coisa toda eram donas de casa que ousaram ler um livro ou dois sobre politica.

Acredito que sua popularidade tinha vindo daí, dessa simplicidade, assim como um bolo de cenoura quente.

Houve muito sangue nessa nossa historia, e a coisa parece querer se repetir. Houve por um tempo um 4º partido vamos dizer, mas não era politico, era mais uma posição politica. Eram os Neutros. Corriam de todo e qualquer conflito de ideias, e abominavam o conflito armado. Eram verdadeiros bundões.

Buck era um deles, franzino e nem tão esperto, não cabia nos Claros.

Buck também não gostava de animais, os Verdes nunca o aceitariam.

E não se dava bem com o mundo aí fora, os Cinzas então não o quiseram com eles por isso.

Sobraram as ideias Neutras, e ele se acostumou com a ideia, apesar de ter uma coleção de armas que herdara do seu pai, desaparecido desde os 3 impeachments seguidos que houveram, claro que todos foram comprados, um por cada partido.

Buck nunca teve a chance de conversar com seu pai, vivia ocupado com telejornais, livros, poesias e politica. Era um guerrilheiro a moda antiga vamos dizer.

Ele era mais ligeiro do que esperto, entendia das ruas, mas não de politica, matemática ou física, era magro quase desnutrido, com o tosco nome de bruno, a quem um amigo velho lhe deu o apelido de Buck, quando era pra ser Bucky, mas ele engoliu o “y” que havia, por gostar das ideias feministas, e achou melhor ficar assim. Ligeiro como sempre foi, conseguia em algumas vezes, grandes oportunidades, mas sempre vacilou e jogou tudo fora.

Frequentava uma sinuca Neutra, cheia de cartazes com chavões tipo “Não ligue pra isso, você vai viver mesmo assim”, ou ainda “Fuck this shit”, entre tantos ditados que só quem fazia parte dessa zona, sabia entender e explicar. Logicamente Buck não sabia, mas inventava alguma coisa nova toda vez que lhe perguntavam.

Naquele verão, Buck sentia um cheiro estranho no ar, mais estranho que o costumeiro. Parecia que algo novo estava por vir. Faziam 2 anos que os Verdes se aliaram aos Claros, com a “prova cientifica” que compraram de uma revista velha de que os animais poderiam ajudar a aumentar o intelecto dos humanos ao se casarem com eles. Os Claros não parecem mais tão inteligentes agora certo?

Com isso, Buck assistiu de camarote os Cinzas perderem o poder, e a cidade se tornar um caos completo. Não só a cidade, os estados, seu país caiu em declínio mundial, e com isso perderam muita grana e fizeram a pobreza reinar quase absoluta.

Buck era empacotador de um hiper mercado, uma rede aliada aos Cinzas que fazia o preço mais caro aos que andavam com a faixa fruta-cor que os Claros tinham no braço para tentar arrecadar mais fundos, havia um boato de uma guerra civil, e ele se apavorava ao escutar só a frase guerra.

Com os Claros no poder, as coisas ficaram complicadas, haviam vigias em todo o lugar, e eles tratavam todos com mão de ferro, eles abandonaram o nome de policiais, pois levava um estigma corrupto que os Claros se recusaram a carregar. Eram duros, cruéis, e tinham um senso de justiça um bom tanto distorcido, mas faziam bem seu trabalho com os marginais. A impressão que dava era de lavagem cerebral.

Naquele momento reinava uma falsa paz, era tudo calmo até algo explodir, e em menos de uma hora, já era tudo esquecido. Os ministérios que o governo carregava consigo como filhos sempre deram um jeito de abafar as coisas que vinham do partido Cinza.

Prédios caiam, e os vigias junto com seus ministérios faziam o povo acreditar que ele já havia caído a anos por causa dos Cinzas. Era surreal, os jornais eram trocados a cada hora, sempre mudando a nossa realidade, fazendo com que o povo acreditasse que as coisas eram todas vindas por culpa deles. Eram tempos estranhos.

Buck não lia jornais, não escrevia poesias, não pensava quase, mal sabia explicar o que era politica e por causa disso, se tornou distante da sua realidade com seu medíocre trabalho.

E distante assim foi vivendo, cansado de pensar nos animais, nas donas de casa e no alto QI que alguns possuíam, foi se distanciando da realidade.

Não tinha amigos, não tinha um amor, morava sozinho numa casa suja e abandonada por seu pai, com quem os vizinhos lembram com certo orgulho de ter conhecido.

Buck era isso, uma porta burra e ignorante. Sem um passado glorioso, sem um futuro pertinente.

Os partidos brigavam entre si, mesmo com a aliança formada entre os Verdes e os Claros, as brigas eram por cadeiras no parlamento, no alto escalão de empresas que ninguém sabia do nome, mas que comandava a cidade.

Os verdes tinham ideias boas, e os Claros as absorveram, engolindo as minorias, aos poucos, sem ninguém notar, enfiando goela abaixo dos militantes, que animais eram animais, e humanos eram humanos. Com o passar dos tempos, com o envelhecer de Buck, os Verdes foram desaparecendo, e os depravados foram sendo extintos.

Depois de alguns anos, os Verdes viraram apenas historia, vistos como seres retrogados e seus militantes sendo devorados pelo gigante fruta-cor. Sem perceberem, viraram Claros.

Restando apenas 2 monstros políticos, os Cinzas, que se mantiveram com o passar dos anos, e os Claros, crescendo a cada dia.

Buck ficou sentindo esse cheiro estranho no ar por muito tempo, talevz tempo demais, até que estourou no jornal:

“Eleição nunca mais! Governo Claro Perpétuo!”.

Era o fim da história como Buck havia presenciado até então, os cinzas iam a loucura, e os Neutros, com seu ideal, continuaram inertes.

E o velho Buck, continuou em seu lugar, como empacotador do hiper mercado.

Os Claros tomaram tudo, os bancos e as vendinhas, as bancas, os jornais, todas as cadeiras do governo, eram supremos, deixando os Cinzas como deveriam ser, velhas donas de casa que sabem demais apenas.

Lançavam ao mundo sua verdade, sempre mais que absoluta.

Criavam ali o medo, cultivavam a verdade de forma retorcida, manipulando os jornais, livros, a história em si. Nascia ali suas garras, cresciam ali suas falcatruas e corrupções.

A insanidade foi instaurada, e era chamada de Ministério da Verdade.

Minari
Enviado por Minari em 03/11/2014
Reeditado em 03/11/2014
Código do texto: T5021081
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